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Intervenção federal no RJ é a 1ª desde a Constituição de 1988

Publicado em 16/02/2018 16h52

Intervenção federal no RJ é a 1ª desde a Constituição de 1988

Até então, forças armadas atuavam em conjunto com governo estadual.

G1

Embora as forças armadas já tenham atuado em diversos estados nos últimos anos, a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro anunciada nesta sexta-feira (16) é a primeira desde a promulgação da Constituição de 1988.

A ferramenta mais utilizada em operações deste tipo é a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que é menos invasiva na autonomia política e administrativa da localidade, e seria configurada mais como uma “parceria”, como a que ocorreu em fevereiro de 2017 no Espírito Santo.

Especialista em Direito Constitucional e professor da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o advogado Daniel Falcão explica que a intervenção federal é diferente e tem alcance significativamente maior que um decreto de lei e ordem.

“GLO (garantia de lei e ordem) acontece em várias ocasiões e não mexe em nada no estado. É uma questão específica, uma situação muito pontual, menor e peculiar: vão lá as forças armadas, intervêm e resolvem. O próprio governador pode pedir essa ajuda, aí o governo federal manda tropas. Mas, em tese, quem coordena tudo ainda é o governador”, diz Falcão.

“A intervenção é muito maior e muito mais grave: está sendo substituído o governador num determinado assunto, a segurança pública.”
No Rio de Janeiro, o secretário de segurança pública, Roberto Sá, será afastado para dar lugar ao general Walter Souza Braga Netto, que tomará as decisões sobre segurança, com total submissão das polícias civil, militar e também dos bombeiros.

“O Governo Federal passa a ter respaldo jurídico para tomar decisões sem prestar qualquer tipo de satisfação ao governador”, explicou o Fernando Veloso, ex-chefe da Polícia Civil e comentarista de Segurança Pública da TV Globo.

Instrumento de força

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, houve intervenções federais nos estados, principalmente na República Velha, no Estado Novo e na ditadura militar.

“Esses institutos que realmente têm força coercitiva e são mais dramáticos e radicais foram usados na época da ditadura, entre 1964 e 1985”, afirmou a advogada constitucionalista Vera Chemim.

Entre 1995 e 2003, o presidente Fernando Henrique Cardoso ficou perto de duas possíveis intervenções. Em 1997, Alagoas passou por uma grave crise financeira, e o governo federal ajudou na solução, mas não houve intervenção formal.

Já em 2002, entidades pediram intervenção federal no Espírito Santo por causa de corrupção e crime organizado. O então ministro da Justiça Miguel Reale Jr. acatou o pedido, mas FHC barrou a medida, o que provocou o pedido de demissão de Reale.

“A intervenção federal demonstra uma crise gravíssima na unidade da federação, obviamente isso não é bom para democracia. A questão é analisar se os pressupostos estão presentes. O presidente faz uma primeira análise, mas quem tem a palavra final é o congresso”, afirmou Nestor Castilho Gomes, professor de Direito Constitucional da Univille.

Procedimento formal

O decreto de intervenção precisa ser enviado ao Congresso em 24 horas. A Câmara e o Senado vão decidir, separadamente, se aprovam ou rejeitam o decreto em votações por maioria simples. Na Câmara, a análise deve ser feita na semana que vem.

Outro órgão que também deve se manifestar sobre a medida é o Conselho da República, que é formado pelo vice-presidente, os presidentes da Câmara e do Senado, os líderes da maior e da minoria nessas duas Casas, o ministro da Justiça e mais 6 cidadãos brasileiros natos, com mais de 35 anos – 2 nomeados pelo Presidente, 2 eleitos pelo Senado e 2 eleitos pela Câmara.

A Constituição não especifica em qual momento o Conselho deve se pronunciar, mas segundo Gomes há um entendimento de juristas constitucionais de que ele deveria ser consultado antes do decreto. Até agora não há notícia de que o conselho foi convocado.

Além dele, o Conselho de Defesa Nacional também deve se manifestar em casos de intervenções federais. Ele é quase igual ao Conselho da República, mas sem os 6 cidadãos brasileiros, que são substituídos pelo ministro da Justiça.

“A ausência de manifestação destes dois conselhos tornaria o decreto inconstitucional”, afirma Nestor Gomes.

Consequências

Enquanto um estado estiver sob intervenção federal, o Congresso não pode aprovar mudanças na Constituição. Por exemplo, a reforma da Previdência, que está em tramitação, não poderá ser votada durante a intervenção no Rio.

Dentro do governo, chegou a ser discutida a hipótese de a intervenção ser suspendida durante a votação da PEC da Previdência, e depois retomá-la. Mas ainda não há definição sobre essa estratégia.

“Não vejo nenhum sentido jurídico nisso: seria deturpar o que está dizendo a Constituição. Para evitar que o presidente faça alterações de viés autoritário e para resguardar o texto constitucional, o artigo 60 diz que não pode haver emenda se for decretado estado de sítio, estado de defesa ou intervenção federal”, explica Daniel Falcão.

No entanto, a medida não afeta as eleições. “A intervenção federal é uma interferência excepcional de um ente no outro. E o decreto determina o objeto da interferência. Neste caso está claro que é segurança pública, embora exista possibilidade de intervenção mais ampla, no governo todo”, afirma Eduardo Mendonça, advogador constitucionalista.

Sobre a possibilidade de a intervenção avançar a outras áreas além da segurança pública, Falcão avalia que “isso é uma dúvida que vai ser respondida provavelmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”.

“Como nunca aconteceu desde a Constituição de 1988, não se sabe se é possível uma intervenção total. Provavelmente alguém vai provocar o STF para tratar do assunto: ou a Procuradoria ou um partido político, por exemplo.”

O general Walter Souza Braga Netto, durante entrevista nesta sexta-feira (16) no Planalto (Foto: Reprodução)

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