
A deputada estadual Gleice Jane (PT) usou a tribuna no grande expediente da sessão plenária desta terça-feira (9) para uma denúncia: no último domingo, recebeu em seu número pessoal mensagens de ódio e uma ameaça explícita de morte. Em pronunciamento, a parlamentar afirmou que o episódio não é um caso isolado, mas parte de um contexto crescente de violência política de gênero, que busca silenciar mulheres que ocupam espaços de poder.
“Não é normal naturalizarmos a misoginia e o ódio na política. Precisamos construir espaços seguros dentro da democracia, para opinar sem medo, mesmo diante das divergências”, afirmou. A deputada relatou que, ao perceber o teor das mensagens, carregadas de xingamentos e hostilidade, ficou paralisada por instantes, mas foi orientada a registrar boletim de ocorrência e tornar o caso público. O ataque, segundo Gleice, atinge não só sua trajetória pessoal, mas incentiva a intimidação a outras mulheres que participam ou querem ingressar na vida política.
Gleice Jane destacou que o ano de 2025 é pré-eleitoral e que o clima de violência contra mulheres tem impacto direto na participação feminina. “Se as mulheres não se sentirem seguras, não se candidatarão. Não podemos normalizar a violência política, nem permitir que a misoginia siga moldando comportamentos dentro e fora das instituições”, disse. A deputada reforçou ainda que políticas públicas, especialmente no ambiente escolar, são essenciais para prevenir violências e combater as desigualdades de gênero desde a base.
A parlamentar informou que procurou a Polícia Federal e exige investigação rigorosa. “Não porque sou deputada, mas porque esse é um crime que tenta minar a presença e a voz das mulheres. Política não foi feita por mulheres; estamos aqui porque fomos ousadas. E por isso enfrentamos resistências”, ressaltou.
O discurso também resgatou o contexto nacional. No domingo (7), atos pelo fim do feminicídio reuniram milhares de pessoas em diversas cidades brasileiras, incluindo Campo Grande. Os manifestantes cobraram medidas eficientes contra os feminicídios, que em Mato Grosso do Sul já somam 39 casos em 2025.
Apartes: apoio e cobranças por medidas eficazes
A fala de Gleice mobilizou apartes sucessivos dos parlamentares presentes, todos manifestando solidariedade e reforçando a gravidade da situação.
Pedro Kemp (PT) destacou que a agressão ocorre justamente no momento em que o país protesta contra os altos índices de feminicídio. Ele apontou falhas ainda existentes nos protocolos de atendimento às mulheres e defendeu ações educativas para combater o machismo desde a infância. “Não podemos naturalizar práticas que intimidam mulheres. Homens também precisam participar desse movimento”, ressaltou.

Lia Nogueira (PSDB) reafirmou apoio à colega e lamentou o cenário de violência crescente. “Internet não é terra sem lei. Precisamos responsabilizar com rigor quem espalha ódio e ameaça mulheres, ainda mais em espaços de poder”, pontuou.
Zeca do PT (PT) lembrou a criação, em governos anteriores, de políticas pioneiras de proteção às mulheres, como as casas-abrigo e a Delegacia da Mulher. Disse ainda que não se deve ceder a ataques que buscam intimidar agentes públicos.
Professor Rinaldo (Podemos) reforçou a importância da educação como ferramenta preventiva e defendeu debate amplo, inclusive sobre penas severas para feminicidas. Ele citou legislação já existente sobre ensino da Lei Maria da Penha nas escolas e destacou a necessidade de mudança cultural.
Paulo Corrêa (PSDB), 1º secretário da ALEMS, parabenizou a deputada pelo rápido registro da ocorrência, afirmando que não se deve dar margem a criminosos. Já Paulo Duarte (PSB) ressaltou que a luta contra a violência política de gênero não pertence apenas às mulheres, mas à sociedade como um todo.
O presidente da Casa, Gerson Claro (PP), garantiu que o Parlamento permanece unido no enfrentamento à violência contra mulheres. Ele citou avanços institucionais no Estado, como mudanças de protocolo nas forças de segurança e a nomeação da desembargadora Jaceguara Dantas, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), para cargo de conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Qualquer violência política será repudiada por esta Casa”, enfatizou.
Na Ordem do Dia, Lidio Lopes (sem partido) também se solidarizou com Gleice e lembrou a marcha nacional realizada em Brasília contra a violência política de gênero. O deputado mencionou ainda ataques recorrentes sofridos pela prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes, nas redes sociais, classificando-os como intoleráveis.

“Protocolo Círculo do Cuidado” e 39º feminicídio
Durante a sessão, Gleice Jane também apresentou projeto de lei que institui o “Protocolo Círculo do Cuidado”, voltado ao enfrentamento da violência doméstica e ao acolhimento de mulheres em situação de violência nos estabelecimentos públicos e privados do Estado. O objetivo é fortalecer a rede de enfrentamento, promovendo identificação precoce, escuta qualificada e encaminhamento adequado das vítimas — medidas consideradas fundamentais para interromper ciclos de agressão e evitar feminicídios.
A parlamentar ainda apresentou uma moção de protesto diante da gravidade e agravamento da violência contra as mulheres no Estado, culminando em mais uma morte brutal.
O plenário ainda aprovou moção de pesar apresentada pelo deputado Paulo Corrêa à família de Angela Nayhara Guimarães Gugel, de 53 anos, vítima de feminicídio nesta segunda-feira (8), em Campo Grande. Ela havia se separado do marido um dia antes e buscou abrigo na casa da mãe, mas foi assassinada a golpes de canivete pelo ex-companheiro, que não aceitava o fim do relacionamento. A filha do casal testemunhou o crime e também ficou ferida.
O caso, o 39º feminicídio de 2025 no Estado até o momento do registro, reforçou o tom de urgência nos discursos da sessão. O episódio foi citado por Gleice como mais uma evidência da necessidade de estruturas de proteção efetivas e de políticas que combatam a misoginia enquanto raiz das violências.
Compromisso institucional
Ao encerrar sua fala, Gleice afirmou que seguirá atuando com firmeza. “Nenhuma de nós pode ser silenciada. Não vamos recuar. Precisamos enfrentar a violência contra as mulheres em todos os espaços”, declarou.
A Assembleia Legislativa registrou ampla manifestação de apoio à parlamentar e reafirmou o compromisso com o combate à violência política de gênero e à proteção das mulheres sul-mato-grossenses.



















