Início Política Deputado que atirou ao vivo durante sessão da ALEMS será investigado por...

Deputado que atirou ao vivo durante sessão da ALEMS será investigado por ‘quebra de decoro’

Deputado estadual atira em alvo durante sua fala em sessão ordinária da ALEMS (Foto: Reprodução)

Os tiros ‘dados contra o comunismo’ pelo deputado estadual João Henrique Catan (PL) em plena sessão ordinária da Asssembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), na última terça-feira (17), deverão ser apurados pela Corregedoria da Casa de Leis do Estado. Na tarde de quinta (19), três parlamentares protocolaram a solicitação da investigação contra o colega acusando-o de cometer a chamada ‘quebra do decoro’. O episódio ganhou muita repercusão nos últimos dias, inclusive, foi manchete nos principais jornais do país.

O documento (confira na íntegra ao final do texto) encaminhado à Corregedoria da ALEMS foi assinado pelos deputados Amarildo Cruz (PT), Paulo Duarte (PSB) e Pedro Kemp (PT), que se dizem indignados pelos disparos de tiros durante sessão. Eles pedem a “averiguação de possível quebra de decoro parlamentar por parte do deputado”. A representação é embasada em dispositivos do Regimento Interno da Casa e na Resolução 058/2010 que institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar.

“A representação, assinada na tarde dessa quinta-feira, e protocolada junto Corregedoria da Assembleia Legislativa do MS, é para avaliar o comportamento do deputado estadual João Henrique quando da votação do PL 417/2022 no dia 17 de maio. Mesmo online, qualquer local de onde o deputado participa da sessão é uma extensão do plenário, e o Regimento deve ser respeitado, não fazendo sentido manifestações daquele tipo”, reforça Paulo Duarte, um dos que assinaram o pedido.

“O que significa o ato concretamente de descarregar uma arma para advertir o comunismo? É isso o que quero saber e nós todos merecemos essa resposta. Porque um ato como esse só pode ter sido praticado para intimidar. E não devemos varrer pra baixo do tapete, nós temos que discutir aqui com mais profundidade que só na tribuna. Providências têm que ser tomadas para que a Casa possa se manifestar”, afirmou Amarildo Cruz, na sessão após o episódio. “Entendo que o limite da democracia, do bom senso e da natureza da nossa função é fundamental para nós preservarmos o debate e o direito ao contraditório”, completou o parlamentar.

Já o  deputado Pedro Kemp, que travou discussão na tribuna com Catan, ponderou ao dizer que nesse momento a representação é para a corregedoria abrir sindicância e apurar se houve comportamento incompatível com o decoro parlamentar”. “Se concluir que houve, vai para a comissão de ética que decide pela punição, podendo ser uma advertência até cassação do mandato”, explicou.

No dia seguinte ao fato, ao ser quetionado pelos deputados deputados sobre o ato, João Henrique Catan defendeu a sua manifestação. Na tribuna da ALEMS, ele afirmou que estava apenas demonstrando um esporte com o qual se identifica. “A Constituição Federal estabelece a competência para legislar sobre o desporto, que eu, em sessão remota, estava demonstrando, como muitos parlamentares já fizeram em outros segmentos que participam”, disse.

O deputado, que é do mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro, não se opôs a ser investigado, mas atacou os deputados petistas, dizendo que eles defendem o comunismo. “Eu quero dizer aqui que realmente eu acho que seria necessário a mesa tomar alguma providência e avaliar. Só que eu gostaria de falar, e eu acho que deve ser investigado, atos que eu nunca cometi”, afirmou. “Eu só estou dizendo que quando membros do partido dos trabalhadores vêm aqui se sentir ofendidos porque o cidadão tem o direito legítimo de portar arma de fogo é que na verdade essas pessoas querem implantar uma cultura comunista”, completou.

Entenda a polêmica

A atitude exagerada de João Henrique Catan (PL) surpreendeu durante a transmissão ao vivo da Casa de Leis. Ao defender um projeto de lei, no qual é co-autor, ele sacou uma pistola e atirou contra um alvo durante o uso da palavra. Apesar de estar acontecendo a sessão ordinária normalmente na sede da ALEMS, Catan estava em um estande de tiros acompanhando remotamente os trabalhos.

Ao falar sobre o Projeto de Lei de número 417/2021, que dispõe sobre o reconhecimento do risco da atividade de atirador desportivo em Mato Grosso do Sul, o deputado apontou e descarregou uma pistola contra um alvo que tinha como características o símbolo comunista da foice e do martelo.

Na ocasiaõ, o parlamentar explicou que os tiros foram “de advertência ao comunismo”. “Um povo armado jamais será escravizado. Esse projeto é um tiro de advertência no comunismo e na mão leve que assaltou o País, então uma salva de tiros”, discursou em sua fala. Logo em seguida, a câmera mostrou ele efetuando três disparos contra o alvo. Ele não apareceu mais na sessão depois disto.

O presidente da Assembleia, deputado Paulo Corrêa (PSDB), reprovou a conduta do parlamentar. “Não pode fazer isso, houve exagero”, disse. No entanto, nenhuma punição foi aplicada ao deputado estadual.

Projeto de lei foi aprovado

Apesar de toda a polêmica, o Projeto de Lei que reconhece o risco da atividade dos colecionadores, atiradores e caçadores para os fins da Lei Federal 10.826/2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição sobre o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), foi aprovado na quarta-feira (18) por 15 votos favoráveis e cinco contrários e agora segue para sanção do governador.

O Projeto de Lei 22/2022 é assinado pelo deputado Capitão Contar, com co-autoria dos deputados João Henrique Catan e Coronel David. “É uma atividade de risco, pois se trata do manuseio e trânsito de armas de fogo e munição. Mas além disso, existe o risco de que, esse esportista, caçador ou colecionador seja vítima de uma ação criminosa. É uma ameaça à sua vida. O risco existe e felizmente com essa aprovação será reconhecido”, declarou Contar.

Segundo o texto, o reconhecimento pretendido não altera a atual legislação federal e também não acrescenta ou reduz requisitos já previstos nas normativas existentes. A Lei Federal n. 10.826 de 2003, que instituiu o Estatuto do Desarmamento, prevê em seu artigo 6º, inciso IX, o porte de arma “para integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas”.

O Decreto nº 9.846, de 25 de junho de 2019, que regulamenta a Lei Federal nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para dispor sobre o registro, o cadastro e a aquisição de armas e de munição por caçadores, colecionadores e atiradores, trouxe diversas inovações no sentido de deixar expresso questões de registro, fiscalizações, acompanhamentos. Mas, nem esse Decreto que regulamentou a Lei e nem outros que já não estão vigentes, falavam sobre o Porte de Armas.

A Lei diz no artigo 10, § 1º, I, diz que a autorização poderá ser concedida ao requerente que “demonstrar a sua efetiva necessidade por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à sua integridade física”. No entanto, apesar da própria atividade ser de risco, não há critério técnico para análise de risco pelo Delegado Federal.

Outro ponto destacado é que o “Porte de Trânsito” está vinculado aos deslocamentos entre o local de guarda autorizado e os de treinamento, instrução, competição, exposição, caça ou outros, fazendo com que os colecionadores se tornem alvos fáceis de criminosos, fora do trajeto previsto.

Confira abaixo a íntegra da representação:

EXCELENTÍSSIMO SENHOR CORREGEDOR PARLAMENTAR DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MATO GROSSO DO SUL
AMARILDO VALDO DA CRUZ, filiado ao Partido dos Trabalhadores, PAULO ROBERTO DUARTE, filiado ao Partido Socialista Brasileiro, E PEDRO CESAR KEMP GONÇALVES, filiado ao Partido dos Trabalhadores, deputados estaduais com assento nesta Casa de Leis, devidamente registrados no TRE, com sede em Campo Grande/MS, vêm diante de Vossa Excelência, com base no art. 367, I, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul, apresentar a presente REPRESENTAÇÃO na forma prevista nos arts. 10, § 1º, art. 25 e art. 28 da Resolução 058/2010, que Institui o Código de Ética e Decoro Parlamentar, a fim de que a Corregedoria da Casa proceda a averiguação de possível quebra de decoro parlamentar por parte do deputado estadual JOÃO HENRIQUE CATAN, filiado ao Partido Liberal, com assento nesta Casa, em face do ocorrido durante a ordem do dia da sessão ordinária do dia 17 de maio de 2022, em razão dos fatos a seguir apresentados:

Dos Fatos

Durante a Ordem do Dia, da Sessão Ordinária da Assembleia Legislativa do dia 17 de maio de 2022, no momento em que votava o Projeto de Lei n° 417/2021, de autoria dos deputados estaduais João Henrique Catan e Coronel Davi, que dispõe sobre o reconhecimento, no âmbito do Estado de Mato Grosso do Sul, do risco da atividade de atirador desportivo integrante de entidades de desporto legalmente constituídas, o deputado João Henrique Catan, que estava participando da sessão de forma remota, através do seu celular, proferiu seu voto nos seguintes termos:

“…. Senhor presidente, a aprovação deste projeto visa ajudar a armar o cidadão de bem. O armamento acaba com as invasões ilegais, diminui a criminalidade, prevalecendo o nosso direito de propriedade, lembrando que o povo armado jamais será escravizado. Este projeto é um tiro de advertência no comunismo e na mão leve que assaltou este país. Por isso, senhor presidente, uma salva de tiros, uma salva de sim”.

Em ato contínuo à conclusão da fala, o deputado apontou uma arma para um alvo com o símbolo da foice e do martelo, alusivo ao comunismo, e desferiu diversos tiros.
Do Pedido

Em razão dos fatos narrados e da repercussão negativa para a imagem do parlamento sul-mato-grossense, REQUER que esta REPRESENTAÇÃO seja recebida por esta Corregedoria Parlamentar e adotadas as providências e procedimentos estabelecidos no Código de Ética e Decoro da Assembleia Legislativa.

Campo Grande, 19 de maio de 2022.

Pedro Kemp
Deputado Estadual – PT

Amarildo Cruz
Deputado Estadual – PT

Paulo Duarte
Deputado Estadual – PSB

Sair da versão mobile