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O que é a Lei de Segurança Nacional, usada para indiciar autor de ataque contra Bolsonaro

Adélio Bispo de Oliveira foi indiciado com base no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional e transferido para o presídio federal no MS

09/09/2018 09h56
Por: Fernanda Odilla/BBC

O autor do ataque contra o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, foi indiciado pelo crime de “atentado pessoal por inconformismo político” com base no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional – uma lei sancionada em 1983, já no final da ditadura, e que foi usada para enquadrar, principalmente, grevistas e manifestantes.

Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos foi preso logo depois de ter esfaqueado o presidenciável durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Ele confessou o crime, foi indiciado e transferido neste sábado um presídio federal em Campo Grande (MS).

Pela Lei de Segurança Nacional, ele pode ser condenado a uma pena de três a dez anos de prisão. A legislação prevê ainda que, se a agressão resultar em lesão corporal grave, a pena pode ser até mesmo dobrada.

A lei hoje em vigor foi sancionada pelo último presidente militar João Batista Figueiredo (1979-1985), já num período de abertura política. Além de definir crimes contra a ordem política e social, a legislação atribui à Polícia Federal a responsabilidade por apurar quem desafia essa lei.

Mas a lei 7170/83 é a versão mais recente de uma legislação que ganhou forma em 1935, durante o governo do então presidente Getúlio Vargas, e foi sendo alterada por novas leis ou decretos presidenciais ao longo do tempo.

Durante o período dos governos militares (1964-1985), diferentes versões da Lei de Segurança Nacional foram usadas, principalmente, contra os que se opunham à ditadura.

Com o fim do regime militar, a legislação que prevê crimes que ameacem ou comprometam a soberania nacional, o regime democrático e os chefes dos Três Poderes continuou sendo aplicada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal.

Em 2000, uma onda de invasões de prédios públicos promovida pelo MST (Movimento dos Sem Terra) passou a ser combatida com a prisão e o indiciamento de integrantes do movimento com base na Lei de Segurança Nacional. Em maio daquele ano, nove agricultores militantes no Paraná foram detidos e também acusados de outros crimes como porte ilegal de arma, formação de quadrilha, desobediência, resistência à prisão e incitação ao crime. Duas semanas antes desse episódio, dois líderes do MST em Mato Grosso já haviam sido enquadrados também com base na Lei de Segurança Nacional.

Na época, os ministros Raul Jungmann, que respondia pelo ministério de Desenvolvimento Agrário e hoje é o ministro de Segurança Pública (órgão ao qual a PF está subordinada), e José Gregori (Justiça) negaram a intenção de usar a Lei de Segurança Nacional contra os sem-terra. Jungmann chegou a pedir a Gregori, à época responsável pela PF, que a prisão dos nove manifestantes fosse relaxada.

Em 2006, a Justiça Federal acolheu a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal e instaurou ação penal contra 116 militantes do MLST (Movimento pela Libertação dos Sem Terra), acusados de praticar crime político, com base na Lei de Segurança Nacional, além de lesão corporal, dano contra o patrimônio público e resistência a obedecer a ato legal de servidor público. À época, o grupo invadiu a Câmara dos Deputados e provocou quebra-quebra no Congresso.

Por conta da invasão, o então líder do movimento Bruno Maranhão e outros 41 militantes ficaram presos por cerca de 40 dias no Complexo Penintenciário da Papuda, em Brasília.

O economista e coordenador do MST, João Pedro Stédile, também já foi denunciado com base na Lei de Segurança Nacional, por suposta participação na destruição de 1 milhão de mudas de eucaliptos e dos laboratórios da Aracruz Celulose, em março de 2006, feita por mulheres da Via Campesina. Stédile, contudo, não estava presente no ato. Apesar de reconhecer que o coordenador do MST não estava presente na ação, a acusação do Ministério Público dizia que ele tinha exercido função decisiva no planejamento e execução do crime.

Em outubro de 2013, o pintor Humberto Caporelli, de 24 anos, e sua namorada, Luana Bernardo Lopes, de 19, foram presos em flagrante na esquina das Avenidas Ipiranga e São João, em São Paulo, enquanto participavam de um protesto na capital paulista. Eles foram acusados de depredar uma viatura da Polícia Civil e foram detidos, com base artigo 15 da Lei de Segurança Nacional.

Já o soldado Marco Prisco, hoje deputado estadual pelo PSDB na Bahia, foi enquadrado pela lei criada na ditadura enquanto liderava movimento grevista dos policiais militares no Estado, em 2012. Prisco havia sido demitido da corporação em 2002, também por liderar um movimento grevista de policiais. No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a reintegração do deputado estadual ao quadro da Polícia Militar, após uma briga judicial dele com o governo da Bahia que durou quase 16 anos.

Lei atrai polêmica

Entre juristas, a Lei de Segurança Nacional atrai críticas e não é consenso, em especial para casos como o do agressor do candidato Jair Bolsonaro, que poderia ter sido enquadrado, por exemplo, como tentativa de homicídio.

O ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira diz que há anos acredita não ser necessária uma lei específica definindo crimes contra a ordem política e social. Para ele, esses crimes poderiam estar previstos, por exemplo, no Código Penal.

No entanto, ele destaca a importância de listar crimes contra a segurança nacional e prever suas respectivas punições. “Pois visa tutelar os valores previstos em seu artigo primeiro, como a soberania nacional e o regime democrático”, diz Junqueira, emendando que, nesse sentido, a legislação em vigor “não é antiquada”.

Para Octávio Ferraz, professor de direito da universidade King’s College, em Londres, a Lei de Segurança Nacional não se aplicaria a casos já previstos no Código Penal. “Acho sim um entulho autoritário e desnecessária para um caso de lesão corporal, ou tentativas de homicídio tipificadas no Código Penal”, avalia.

Já o presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, Cristiano Maronna, observa que, ao enquadrar Adélio Oliveira na Lei de Segurança Nacional, a investigação fica a cargo da Polícia Federal e será julgado pela Justiça Federal. Se ele fosse enquadrado por tentativa de homicídio, com base no Código Penal, seria julgado pelo Tribunal do Júri em Minas Gerais.

“Na minha opinião, o que houve foi tentativa de homicídio qualificado pela surpresa e por motivo fútil, divergência político ideológica”, diz Maronna. “Tentativa de homicídio é julgado pela Justiça Estadual, julgamento colegiado por pares iguais. (No caso da Lei de Segurança Nacional) é Justiça Federal, juiz monocrático”, explica.

Reuters

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