O silêncio do cansaço extremo, a exaustão que transborda do corpo e a sensação de que o trabalho consome mais do que oferece têm se tornado realidade para milhares de trabalhadores em Mato Grosso do Sul. No mês em que se intensificam as ações de valorização da vida e prevenção ao suicídio, o Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul (MPT-MS) chama atenção para o impacto do ambiente laboral na saúde mental.
Dados do Observatório do MPT mostram que, apenas em 2024, foram registradas 72 concessões de auxílio-doença por síndrome de burnout, doença ligada ao desgaste emocional causado pela atividade profissional. Entre 2007 e 2024, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) contabilizou 856 ocorrências de transtornos mentais relacionados ao trabalho no Estado.
Em 2024, foram 119 notificações, número menor que o de 2023 (160), mas que mantém o problema em evidência. Também no ano passado, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou 157 concessões de benefícios por adoecimento psíquico em Mato Grosso do Sul. Nos últimos 12 anos, já são 1,8 mil trabalhadores afastados por motivos ligados à saúde mental no trabalho.
Denúncias crescem em 2025
O MPT-MS já recebeu 60 denúncias em 2025, relacionadas especificamente à saúde mental no ambiente laboral. Somadas às 31 de 2024 e às 7 de 2023, resultaram na abertura de 30 inquéritos civis.
Quando o recorte é de violência e assédio psicológico, os números são ainda mais expressivos: foram 155 denúncias em 2023, 186 em 2024 e 185 até 10 de setembro deste ano. Dessas situações, surgiram 107 investigações formais e 12 processos judiciais em andamento.
Apesar dos números, especialistas alertam que os casos ainda são subnotificados por dificuldades em comprovar o vínculo com o trabalho e pelo estigma que envolve os transtornos mentais.
Assédio moral: o peso invisível
Para a coordenadora de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e procuradora-chefe do MPT-MS, Cândice Gabriela Arosio, o assédio moral está diretamente ligado ao adoecimento psíquico.
“Trata-se de um processo abusivo que pode se manifestar de diferentes formas: entre superiores e subordinados, entre colegas de mesmo nível hierárquico ou até mesmo de subordinados em relação a gestores”, explica.
Segundo ela, práticas como cobrança excessiva de metas, rivalidade estimulada entre colegas, cultura autoritária e despreparo de lideranças configuram cenários de risco para o surgimento de transtornos mentais. “Mais que conflitos pontuais, o assédio moral se sustenta em condutas repetidas ou em métodos de gestão que impõem pressões e humilhações, podendo levar até a ideações suicidas”, acrescenta.
Mudanças na legislação
A síndrome de burnout já é reconhecida como doença ocupacional pela Lei nº 8.213/1991, o que pode responsabilizar o empregador quando o ambiente de trabalho contribui para o seu desenvolvimento.
Com a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), em vigor desde maio de 2024, as empresas precisam incluir no Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) fatores como estresse, assédio moral e sobrecarga mental, ao lado dos riscos físicos, químicos e biológicos. O Ministério do Trabalho e Emprego deu prazo de um ano para que empregadores se adequem às novas exigências.
Consequências legais
O assédio moral pode gerar indenizações trabalhistas, danos morais e até responsabilização criminal para o agressor. Além disso, no regime da CLT, pode ensejar rescisão por justa causa. No serviço público, pode resultar em processo administrativo disciplinar.
Caminhos para prevenção
Segundo o MPT, medidas simples podem reduzir os impactos do estresse laboral, como:
- pesquisas de clima organizacional;
- programas de apoio psicológico;
- incentivo à prática de atividades físicas;
- melhoria do ambiente físico;
- políticas claras de combate ao assédio moral.
Como denunciar
Trabalhadores que sofrerem ou presenciarem assédio moral ou outras formas de violência psicológica no trabalho podem registrar denúncia diretamente no site do MPT-MS: www.prt24.mpt.mp.br/servicos/denuncias.
Também é possível procurar sindicatos, ouvidorias internas das empresas e órgãos de proteção aos direitos dos trabalhadores.
“O apoio de familiares, amigos e colegas é essencial. Mas o relato formal é o que garante responsabilização do agressor e ajuda a prevenir novos casos”, reforça Arosio.