Caso ocorreu durante retomada de território; quatro pessoas ficaram feridas e comunidade denuncia três madrugadas de violência
O governo federal atribuiu a morte de um indígena Guarani-Kaiowá, executado com um tiro na nuca na madrugada deste domingo (16), em Iguatemi, a 412 km de Campo Grande, a ataques cometidos por pistoleiros. A informação consta em nota conjunta divulgada pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que disseram ter acionado órgãos de segurança e estar acompanhando o caso.
“O MPI manifesta profundo pesar pela morte do indígena Guarani-Kaiowá na comunidade de Pyelito Kue, município de Iguatemi, após ataques de pistoleiros, em contexto de recente retomada realizada nos dias anteriores”, afirma trecho da nota publicada na tarde deste domingo.
A morte ocorreu na área da Fazenda Cachoeira, onde indígenas haviam retomado parte do território tradicional nos últimos dias. Segundo a Aty Guasu, maior organização política dos povos Guarani-Kaiowá, a comunidade sofreu três madrugadas seguidas de ataques, com tiros, fogo e uso de balas de borracha. Outras quatro pessoas ficaram feridas, e uma criança teve a mão queimada por um rojão.
Monitoramento federal e pedido de investigação
Segundo o MPI, equipes do DEMED (Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas) e da Funai estão na região monitorando as ações de segurança. O governo exigiu investigação rigorosa e ações conjuntas para combater grupos armados que atuam no sul do Estado.
O Ministério também lembrou que, no dia 3 de novembro, foi criado um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) com representantes do MPI, MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) e MGI (Ministério da Gestão), dedicado a mediar conflitos fundiários envolvendo povos indígenas de Mato Grosso do Sul. O grupo realiza reuniões semanais e elabora estudos sobre ocupações públicas e privadas.
“As retomadas dos indígenas Guarani-Kaiowá se intensificaram nos últimos meses para frear a pulverização de agrotóxicos, que vem causando adoecimento e insegurança hídrica e alimentar”, diz o texto. O MPI classificou o caso como parte de um cenário de perseguição histórica. “É inaceitável que indígenas continuem perdendo suas vidas por defender seus territórios.”
Ataque sob investigação
A Polícia Militar confirmou o óbito, mas informou que a ocorrência foi atendida pela Força Nacional. Ainda não há detalhes oficiais sobre as circunstâncias do ataque. Vídeos divulgados pela Aty Guasu mostram uma mulher indígena se abrigando enquanto ao fundo é possível ouvir disparos. “A gente está pedindo socorro desde 4h”, relata ela na gravação.
A reportagem entrou em contato com a Polícia Federal de Mato Grosso do Sul, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Disputa de terras e histórico de violência
A região onde ocorreu o ataque é marcada por décadas de conflitos fundiários. Em 2013, a Funai aprovou o relatório de identificação da Terra Indígena Iguatemipeguá I, que inclui os tekoha Mbarakay e Pyelito Kue. A área tradicional reivindicada pelos Guarani-Kaiowá tem 41 mil hectares, mas as famílias vivem atualmente em apenas 90 hectares.
Apesar do reconhecimento oficial, o processo nunca avançou, mantendo a tensão entre comunidades indígenas e produtores rurais. Em novembro de 2023, documentaristas que acompanhavam uma retomada foram agredidos por homens identificados como seguranças privados.
A Fazenda Cachoeira, onde a retomada ocorreu, foi recentemente arrendada por empresas ligadas à produção e exportação de carne. Cerca de 120 famílias Guarani-Kaiowá vivem na área, conforme acordo judicial firmado em 2014. Segundo a comunidade, projéteis recolhidos após os ataques foram entregues à Polícia Federal.
O MPI encerrou a nota prestando solidariedade à família e à comunidade indígena. “A morte de mais um Guarani-Kaiowá ocorre enquanto o mundo discute a importância dos povos indígenas para a mitigação climática na COP30. Não há trégua na perseguição aos corpos dos defensores do clima”, diz o texto.
O caso seguirá sob investigação.











