Paralisação de caminhoneiros perde força e revela divisão na categoria

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Proposta de greve da categoria não passou pelos trâmites necessários para ser aprovada (Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Convocada pelas redes, mobilização tem pautas politizadas, falta de organização e pouco apoio de lideranças tradicionais

A paralisação nacional de caminhoneiros, convocada nas redes sociais para esta quinta-feira (4), não atingiu consenso entre profissionais do setor e já enfrenta sinais de esvaziamento. Embora o movimento se apresente como uma mobilização da categoria, parte significativa das reivindicações tem caráter político e se distanciaria das pautas tradicionais do transporte rodoviário.

Entre os pedidos divulgados está a reformulação de serviços públicos, críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e até temas externos ao setor, como anistia total aos condenados pelos ataques de 8 de Janeiro. O documento que circula na internet reúne 18 reivindicações atribuídas aos caminhoneiros, mas carece de unidade e apoio sólido.

Lideranças apontam desvio político

Para Luciano Régis, caminhoneiro de Santa Catarina, o movimento extrapola os interesses dos trabalhadores das estradas e tenta instrumentalizar a categoria para causas de natureza política.

“Eu não acho justo uma parcela da sociedade usar a categoria, os caminhoneiros, para resolver um problema que talvez seja de todos os brasileiros”, declarou.

A avaliação de Régis ecoa entre lideranças preocupadas com o rumo da mobilização. Questões historicamente defendidas pelos caminhoneiros — como o Marco Regulatório do Transporte de Cargas, a manutenção do piso para 9 eixos e a isenção de pesagem entre eixos — aparecem de forma secundária nas convocações virtuais.

Falta de organização enfraquece mobilização

Segundo Hemerson Galdim, presidente da Sindconpetro-PB e representante da Fenttrocar, o movimento nasceu sem o processo básico necessário para uma paralisação legítima. Ele afirma que nenhuma assembleia formal foi realizada para discutir e aprovar as reivindicações.

“Para realizar uma greve, ela precisa passar por um ritual, uma assembleia para discutir quais as pautas de reivindicação, coisa que não aconteceu. E vimos que o que aconteceu foi tudo de repente, caracterizando questões políticas”, apontou.

Para ele, a ausência de organização e o forte teor político das bandeiras levaram ao esvaziamento antes mesmo do início da paralisação.

Entidades divergentes e ambiente fragmentado

Tentando dar sustentação jurídica ao movimento, Chicão Caminhoneiro, representante da União Brasileira dos Caminhoneiros (UBC), divulgou um vídeo ao lado do desembargador aposentado Sebastião Coelho, do TJDFT, no qual afirmam que protocolarão uma ação para formalizar a paralisação nacional. A gravação circulou em redes ligadas a apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e recebeu apoio de figuras como o senador Cleitinho Azevedo (PL-MG).

Apesar disso, não houve consenso nem mesmo entre parlamentares da direita. O deputado Zé Trovão (PL-SC), que se projetou nacionalmente nas mobilizações de 2021, se posicionou contra a paralisação.

“Se for em prol do presidente Bolsonaro, esse não é um desejo da própria família, porque isso pode agravar a situação dele”, afirmou.

Também referência na greve de 2018, Wallace Landim, o “Chorão”, presidente da Abrava, criticou a convocação atual. Ele defendeu o direito de protesto, mas alertou para a responsabilidade da categoria diante da importância do transporte rodoviário para a economia.

Movimento enfraquecido antes de começar

As divergências internas, o caráter político das reivindicações e a falta de organização formal indicam que a paralisação dificilmente terá adesão suficiente para provocar impactos significativos no transporte de cargas. A crise de representatividade dentro do setor também fica evidente: diferentes grupos tentam liderar o movimento, mas nenhum consegue reunir apoio majoritário.

Enquanto isso, as principais demandas operacionais dos caminhoneiros — como custos do frete, preço do diesel e regulamentação do setor — seguem ofuscadas pelas bandeiras políticas que dominaram a convocação nas redes.