Justiça por Levi, Kalleb, Elisa, Dante, Dudu, Antônio Gabriel e muitas outras crianças vítimas de casos de negligência ou violência obstétrica. Estes foram alguns dos apelos de familiares ouvidos na Audiência Pública, promovida pela Câmara Municipal, na manhã desta quarta-feira, dia 26. O debate abordou o tema “entre dor e direitos: a realidade da violência obstétrica” e foi proposto pela vereadora Luiza Ribeiro. A criação de protocolos de atendimento e de mecanismos de prevenção, em projeto de lei, foi uma das sugestões apresentadas.
A Audiência iniciou com relatos emocionados de algumas mães, pais e familiares de crianças que faleceram ou ficaram com sequelas em decorrência de casos de violência obstétrica e negligência médica. Representantes do Ministério Público Estadual, da Defensoria Pública, da Polícia Civil, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Secretaria Municipal de Mulheres, Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, profissionais da saúde e de assistência social estiveram presentes na discussão.
“Nós queremos discutir a melhoria da política pública de acompanhamento da gestante, mas nós precisamos analisar o ato dos profissionais que cuidam das pessoas que estão no nascimento, que é a mãe e a criança. É muito importante esse assunto, é uma discussão muito dolorida, mas nós precisamos falar”, afirmou a vereadora Luiza Ribeiro. Uma das metas é que a Audiência seja uma forma de pressionar deputados federais e senadores a tipificarem no Código Penal a conduta que se refere à violência obstétrica, além da proposição de protocolos no Município.
Adalberto Fontoura, pai de Antônio Gabriel, que faleceu em 21 de outubro de 2024, formalizou a entrega de um pedido de providências, contendo boletins de ocorrência registrados pelas famílias, leis violadas e crimes cometidos. Ele apresentou ainda o esboço de um projeto de lei “que cria mecanismos práticos para que nenhuma família passe pelo que estamos passando”. A proposta conta, por exemplo, com a criação de um canal de denúncia em tempo real e o direito a uma segunda opinião médica. Adalberto contou que o filho foi abandonado, deixado no berço sofrendo com grave falta de oxigênio. “O médico foi avisado e se recusou a voltar. Uma sucessão de erros, negligência, omissões, que não apenas contribuíram, mas causaram sua morte. Hoje nossa dor se transformou em ação”, resumiu o pai.
Ariane de Lima Gonçalves da Cunha é mãe de Dante, que faleceu em outubro de 2021 durante o parto. “Entrei na Maternidade Cândido Mariano carregando meu filho no ventre, cheia de sonhos e vida. Saí de lá com meus braços vazios. Meu filho não sobreviveu por falta de vaga em UTI, por negligência, por omissão”. Ela ouviu que se tratava de um caso isolado, mas encontrou outras famílias que passam pela mesma dor. “Hoje nós temos mais ou menos uns 100 relatos de mães e pais que sofreram violência obstétrica e negligência médica na maternidade”, afirmou.
Mirian Souza da Silva é avó do Ravi, que faleceu no parto em outubro deste ano, na Maternidade Cândido Mariano. A sua nora, Cláudia, permaneceu 12 horas em trabalho de parto e houve a insistência pelo parto normal. O menino acabou nascendo sem vida, com lesões na cabeça, após ser puxado com força. Ela relata ainda que o descaso seguiu depois que foi constatado o óbito. “Precisa de uma humanização no atendimento. Uma anamnese completa da paciente, ser feito todo o estudo para saber o que será o momento daquele parto, além da questão psicossocial, que é a questão do como o profissional vai estar abordando aquela mulher num momento tão especial”, sugeriu. Ela defende ainda a ampliação das ações de fiscalização.
Vanessa Quadro Reis, mãe da Elisa, também relatou sua dor. A menina teve uma hipóxia severa (falta de oxigenação) durante o parto, que não estava evoluindo na fase expulsiva. Sobreviveu com uma série de sequelas, mas acabou não resistindo e faleceu em 2023. “Acredito que as propostas aqui são no sentido de responsabilizar as pessoas, os profissionais que tiveram falhas na atuação ética e técnica. Espero que a gente possa prevenir para que não aconteça mais esse tipo de negligência, imperícia ou imprudência com nossos bebês e durante os trabalhos de parto”, cobrou.
“A luta de vocês vem se transformando na prevenção de outros lutos”, resumiu o vereador André Salineiro, que secretariou a Audiência. Ele defendeu a necessidade de buscar punição dos responsáveis. “Quanto mais parlamentares, órgãos e entidades comporem força nessa causa, mais rápido teremos mecanismos de prevenção para que outros casos não ocorram”. O vereador comentou sobre os erros cometidos, relatos pela família, que não poderiam ter ocorrido. “Precisamos ser enérgicos, contem com essa Câmara de Vereadores”.
Debate
As discussões sobre as boas práticas no parto, o direito à humanização em todo atendimento foram alguns dos pontos abordados na Audiência.
A defensora pública Thais Dominato Silva Teixeira falou do trabalho de prevenção e também de repressão. “Nós temos o Núcleo de Defesa das Mulheres na Defensoria Pública, onde nós atendemos as mulheres em situação de violência de gênero, dentre essas violências, a violência obstétrica”, afirmou. Na parte de repressão, são ajuizadas as ações de indenização para essas vítimas, mas o foco principal é na prevenção. “A gente precisa mudar as práticas, a gente precisa trabalhar com a formação dos profissionais de saúde para a medicina baseada em evidências científicas, mostrando que há procedimentos que não podem mais ser realizados. A gente precisa trabalhar com o empoderamento das mulheres para que elas entendam quais são as práticas violentas, possam pleitear seus direitos e assim serem menos lesadas”. A necessidade de um observatório com registros das violências, além de uma Casa de Parto em Campo Grande foram algumas das sugestões.
O vereador Maicon Nogueira citou a responsabilidade dessa Casa de Leis em buscar que outras pessoas não sofram essa violência. Ele afirmou que protocolou um projeto para assegurar a obrigatoriedade de protocolos de humanização dos parturientes. O vereador explicou a necessidade de reforçar em lei, algo que já está previsto em outras normas. “Não estão cumprindo os protocolos. São tantos casos omissos, colocados em portarias distintas”, afirmou, justificando que muitos profissionais desconhecem as normas. “Sabemos dos desafios da saúde, mas a humanização e o atendimento com respeito precisam ser feitos em todos os lugares, quiçá na saúde onde a pessoa já está fragilizada”, justificou.
A importância de medidas para evitar que esses casos se repitam foi enfatizada pelo promotor de Justiça Marcos Roberto Dietz, que também parabenizou a Audiência promovida pela Câmara, ao “colocar o dedo na ferida”, de um tema tão importante. “Os índices de violência obstétrica são alarmantes”, pontuou. Na 76ª Promotoria, da qual é titular, são cerca de 60 procedimentos para apurar irregularidades na saúde pública. “Temos reclamações das mais variadas irregularidades e surge muito a questão da violência obstétrica”. Ele citou ação em que a Maternidade Cândido Mariano se comprometeu a fazer adequações apontadas. Outra vistoria foi realizada em julho e o MPE pediu a continuidade do processo, em razão de irregularidades.
A delegada Nely Macedo, da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente, lembrou que as mulheres estão sofrendo violência em vários âmbitos, como a obstétrica. “Mulheres não são incubadoras; elas têm direitos que devem ser respeitados. A violência obstétrica passa por todas as violências”, alertou sobre a necessidade de encerrar esse ciclo. Ela também defendeu a necessidade de protocolo de atendimento, o que facilitaria até mesmo a condução das investigações para que as falhas possam ser identificadas no inquérito. “Protocolo e atendimento humanizado não têm custos”, defendeu a delegada, ao reforçar a necessidade de mudanças.





















