Da sala de aula à vida real: como a educação financeira entrou no currículo escolar

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Educação financeira deve começar na infância (Foto: Reprodução/Freepik)

Com quase 80% das famílias endividadas, escolas buscam ensinar jovens a planejar gastos, entender juros e tomar decisões responsáveis

Começa na sala de aula, mas não termina ali. Ao falar de dinheiro, consumo e escolhas, a escola brasileira passou a tratar de um tema que acompanha o estudante por toda a vida. Desde 2020, com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no ensino médio, a educação financeira deixou de ser assunto restrito a especialistas e passou a integrar o currículo escolar de forma transversal.

A mudança ocorre em um contexto desafiador: quase 80% das famílias brasileiras estão endividadas, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Ao mesmo tempo, a maioria da população admite ter pouco ou nenhum conhecimento sobre educação financeira, de acordo com levantamento do Observatório Febraban. O objetivo da BNCC é justamente preparar os jovens para lidar com dinheiro de forma mais consciente em um cenário marcado por consumo digital, crédito fácil e rápidas transformações no mercado de trabalho.

Com a nova diretriz, o tema passou a ser abordado em disciplinas como matemática e ciências humanas, incluindo conteúdos de planejamento financeiro básico, juros, crédito, consumo responsável, empreendedorismo e tomada de decisão. A base tornou o ensino obrigatório, mas deixou a cargo das redes e escolas a forma de aplicação, o que resulta em experiências diferentes pelo país.

Em redes públicas de Mato Grosso do Sul, a educação financeira é uma realidade impulsionada por iniciativas do MEC e Banco Central, com o programa Aprender Valor, transformando MS em estado-piloto, para ensinar planejamento, consumo consciente e prevenção de dívidas, utilizando a Plataforma Aprender Valor, materiais e apoio a docentes para integrar o tema transversalmente, preparando alunos para a vida e finanças pessoais. 

As atividades ocorrem ao longo de todo o ano letivo e também envolvem as famílias. Segundo a professora, há um esforço para que os aprendizados ultrapassem os muros da escola e sejam aplicados em casa, no dia a dia. A iniciativa conta ainda com apoio do programa Oficina de Finanças, que oferece materiais e estratégias pedagógicas baseadas em pesquisas.

Além das redes estaduais e municipais, o Banco Central lançou um programa gratuito para ampliar o alcance da educação financeira desde o ensino fundamental. O Aprender Valor é a plataforma oficial da iniciativa Na Ponta do Lápis, do Ministério da Educação, e reúne conteúdos sobre educação financeira, fiscal, previdenciária e securitária. Segundo o Banco Central, cerca de 27 mil escolas participam do programa em todo o país, com presença em 65% dos municípios e adesão de 27 secretarias estaduais.

Para o economista e professor de finanças Augusto Mergulhão, a presença do tema nas escolas é essencial para preparar os jovens para a vida adulta. Ele avalia que o ensino tradicional ainda é excessivamente focado em conteúdos voltados ao vestibular. “Os jovens saem da escola e até da faculdade sem saber o que é taxa Selic, inflação ou como funciona a produção de riqueza de um país. A educação financeira ajuda a criar essa consciência”, afirma.

Fora do ambiente escolar, algumas famílias também buscam formas práticas de ensinar os filhos. A enfermeira Alice Caroline Souza conta que o filho, Luan Souza Rodrigues, de cinco anos, começou a aprender sobre dinheiro a partir da venda de plantas, atividade que surgiu de um interesse pessoal da criança. Com valores simbólicos, ele passou a entender conceitos como guardar, gastar e planejar. Segundo a mãe, o aprendizado ajudou o menino a diferenciar necessidade, vontade e prioridade.

Experiências semelhantes são comuns em outros países. Na Finlândia, referência internacional em educação, a educação financeira está integrada ao currículo nacional desde o ensino fundamental até o médio. O tema não aparece como disciplina isolada, mas atravessa matérias como estudos sociais, matemática e economia doméstica. O resultado é um ensino voltado para habilidades práticas, pensamento crítico e resolução de problemas — modelo que ajudou o país a alcançar bons desempenhos em avaliações internacionais, como o Pisa.

No Brasil, a inclusão da educação financeira no currículo ainda é recente, mas especialistas apontam que o caminho já está traçado. Ao tratar de dinheiro com naturalidade desde cedo, a escola passa a formar cidadãos mais preparados para lidar com escolhas, riscos e oportunidades ao longo da vida.