Do prato ao estilo de vida: como nossas escolhas definem a saúde; veja

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Somos muito mais do que o DNA que herdamos. A nutrição, o microbioma e a epigenética formam um tripé fundamental para entender a saúde humana no século XXI. (Foto: Freepik)

Epigenética explica como nutrição e microbioma modulam a expressão dos genes

Durante décadas, a ciência acreditou que a saúde humana era definida quase exclusivamente pela herança genética. A ideia de que o DNA funcionava como um roteiro fixo, imutável, dominou o imaginário coletivo. No entanto, avanços recentes na área da epigenética têm mostrado que os genes são apenas o ponto de partida — e não o destino final.

A epigenética estuda como fatores externos, como alimentação, ambiente, emoções, atividade física, vínculos sociais e níveis de estresse, influenciam a forma como os genes são ativados ou silenciados. Em vez de alterar a sequência do DNA, esses fatores modulam sua leitura, determinando quais genes serão expressos ao longo da vida.

Pesquisas indicam que a nutrição e o microbioma intestinal exercem papel central nesse processo. Juntos, eles formam um eixo capaz de impactar não apenas a saúde no presente, mas também o risco de doenças futuras. Um exemplo clássico vem da teoria conhecida como DOHaD (Origens Desenvolvimentistas da Saúde e da Doença), que demonstra que condições vividas ainda no útero podem deixar marcas permanentes no organismo.

Um dos estudos mais emblemáticos dessa área analisou os efeitos da chamada Fome Holandesa, ocorrida entre 1944 e 1945. Décadas depois, cientistas observaram que filhos de mulheres grávidas expostas à desnutrição extrema apresentavam maior risco de diabetes, obesidade, hipertensão e doenças cardiovasculares. As análises revelaram alterações epigenéticas em genes ligados ao metabolismo e ao crescimento, resultado direto do ambiente nutricional durante a gestação.

A alimentação também influencia diretamente os mecanismos epigenéticos ao longo da vida. Nutrientes como folato, colina, vitaminas do complexo B e metionina participam da metilação do DNA, um dos principais processos que regulam a ativação genética. A deficiência desses elementos pode comprometer esse sistema de controle, afetando a saúde metabólica e imunológica.

Experimentos com animais reforçam essa relação. Estudos com camundongos portadores do gene agouti mostraram que a dieta materna durante a gestação foi capaz de alterar o perfil de saúde dos filhotes, mesmo com DNA idêntico. Dietas ricas em nutrientes reguladores resultaram em descendentes mais saudáveis, enquanto a ausência desses compostos esteve associada a maior risco de obesidade e diabetes.

Outro fator decisivo é o microbioma intestinal. Trilhões de microrganismos que habitam o intestino humano produzem substâncias capazes de influenciar diretamente o epigenoma. Entre elas está o butirato, um ácido graxo produzido a partir da fermentação de fibras, que atua como modulador epigenético e contribui para a redução da inflamação e o equilíbrio metabólico.

Especialistas alertam que dietas pobres em fibras e ricas em alimentos ultraprocessados reduzem a diversidade do microbioma e prejudicam essa comunicação entre ambiente e genes. Por outro lado, padrões alimentares baseados em alimentos naturais, como a dieta mediterrânea, favorecem sinais epigenéticos mais protetores.

A infância é considerada uma das fases mais sensíveis para essas modificações. O aleitamento materno, por exemplo, fornece nutrientes e compostos que ajudam a moldar o sistema imunológico e o epigenoma do bebê. Estudos associam padrões de amamentação a menor risco de inflamações, alergias e até impactos positivos no desenvolvimento cognitivo.

Ao longo da vida, a epigenética continua respondendo às escolhas cotidianas. Sono, alimentação, estresse e atividade física seguem influenciando a forma como os genes se expressam. Para os pesquisadores, a principal mensagem é clara: embora o DNA não possa ser alterado, a maneira como ele é interpretado pode ser continuamente modulada.

A ciência reforça, assim, que nunca é tarde para promover mudanças. A epigenética mostra que saúde é resultado de uma interação dinâmica entre herança genética e estilo de vida — um processo em constante construção.