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segunda-feira, 13 de outubro, 2025
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Espetáculo “A Valsa em Lugares Esquecidos” transforma cárcere em palco de liberdade

A partir do dia 16 de outubro, o clássico “Valsa nº 6”, de Nelson Rodrigues, ganhará novos significados ao ecoar dentro das penitenciárias femininas de Campo Grande. O projeto “A Valsa em Lugares Esquecidos”, idealizado e protagonizado pela atriz Tauanne Gazoso, propõe uma circulação inédita do espetáculo em espaços onde o teatro raramente chega — e onde a arte pode se tornar instrumento de escuta, acolhimento e desejo de liberdade.

A estreia acontece no Sesc Teatro Prosa, às 19h, com interpretação em Libras e ingressos gratuitos disponíveis pelo Sympla, através do perfil @sescculturams no Instagram. Em seguida, o projeto segue para o Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência à Albergada de Campo Grande, com mediação cultural no dia 20 e apresentação no dia 21. Já no Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi, as mediações ocorrem em 22 de outubro, seguidas de quatro apresentações nos dias 23 e 24, uma em cada turno, voltadas exclusivamente às mulheres da unidade prisional.

Mais do que um espetáculo, “A Valsa em Lugares Esquecidos” é um ato político e poético. “A arte precisa ocupar todos os lugares e estar a serviço de todas as pessoas. O nosso papel como artistas é também buscar estratégias para levar o teatro a esses espaços e contribuir para a transformação social”, afirma Tauanne Gazoso, que interpreta Sônia, jovem que tenta reconstruir sua história em meio a lembranças e delírios após um crime de feminicídio.

O nome do projeto surgiu da necessidade de dar visibilidade a espaços onde o teatro ainda é ausente. “Conversamos com a Agepen e confirmamos que nunca houve apresentações teatrais nas penitenciárias femininas de Campo Grande. Nosso gesto é também um ato de pesquisa e resistência”, explica Halisson Nunes, responsável pela preparação corporal e produção executiva do projeto.

Em cena, Tauanne interpreta sozinha todos os desdobramentos de Sônia — a menina, a mulher, as vozes e memórias que a assombram. “A personagem transita entre planos da alucinação e da memória, e isso requer uma entrega muito grande. A cada temporada, o texto se renova, porque o público também é diferente”, conta a atriz.

Mais de 70 anos após sua estreia, “Valsa nº 6” continua atual ao tratar da violência de gênero e das contradições do feminino. Para Halisson Nunes, essa atualidade ganha peso ainda maior em Mato Grosso do Sul. “A peça é especialmente potente em um estado com altos índices de feminicídio. Apresentá-la a mulheres privadas de liberdade é um gesto simbólico de enfrentamento e reflexão sobre essas violências”, afirma.

Além das apresentações, o projeto inclui mediações culturais com as internas, promovendo o diálogo e o compartilhamento de vivências. “O teatro é um espaço de liberdade. Falar sobre isso dentro de uma prisão é um ato de resistência. Como escreveu Cecília Meireles, ‘liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda’”, diz Tauanne.

Para Halisson, o impacto vai além da simbologia. “O teatro só acontece porque há relação entre ator e público. Quando essas mulheres são incluídas nesse processo e se reconhecem como protagonistas de suas próprias histórias, as transformações são inevitáveis.”

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