Nas mãos calejadas que nunca se negaram ao trabalho no campo, Felisberto Ozório segura com firmeza a primeira conquista educacional de sua vida, aos 48 anos: o certificado do Programa Despertando do Senar/MS. A vida do peão sempre foi feita de chão batido, passos firmes no curral e lida com o gado. Mas foi quando aprendeu a escrever o próprio nome que descobriu uma força diferente. Além da experiência de quem domina a terra, tem também a palavra. Hoje, lê, escreve, assina e entende relatórios, conduzindo as tarefas do dia a dia com mais autonomia.
“Esse programa transformou a minha vida. Um dia eu saí da aula, fui para o carro e fiquei parado por um tempo. Só agradeci a Deus porque eu prometi que um dia eu iria conseguir estudar e ele abriu as portas. Eu tinha vergonha de mim, hoje tenho orgulho”, conta Felisberto.
Numeração escrita de próprio punho simboliza conquista de autonomia (Foto: Michael Franco)
Antes, tarefas simples como numerar os brincos dos animais, ler instruções de medicamentos ou identificar o sal adequado dependiam da ajuda de colegas ou da filha, que depois da escola escrevia para o pai, gerando frustração e insegurança. Hoje, Felisberto faz tudo sozinho. Lê os números, acompanha recomendações técnicas, preenche relatórios e conduz o trabalho com autonomia. A habilidade de ler e e escrecer transformou não apenas sua forma de trabalhar, mas também a confiança e o orgulho em cada tarefa do dia a dia na fazenda.
“Me lembro que parava para pensar e me sentia tão dependente. Era difícil. Me emociono com o que consigo fazer sozinho hoje”.
Essa é a história do Transformando Vidas de hoje, confira:
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A história começa em Camapuã, no distrito de Pontinha do Cocho, onde ele nasceu e cresceu entre bois, cercas e pastos. Desde pequeno, era o braço direito do pai, companheiro fiel nas lidas da fazenda. Quando chegou a hora de estudar, a vida lhe impôs um dilema. Havia serviço a ser feito e a escola não coube naquele tempo. “Se eu saísse para as aulas, meu pai ficaria sem ninguém, então fiquei para trabalhar. Não culpo ele, era como as coisas funcionavam na época”, relembra.
As irmãs tiveram a oportunidade de seguir para a sala de aula e ele ficava para trás. “Elas choravam muito porque não queriam ir para a escola. Eu fazia o contrário, chorava porque queria muito estudar”, conta. Tanto que inventava brincadeiras de estudante, improvisando uma mochila e materiais, fingindo-se aluno de uma sala que só existia na imaginação.
O tempo passou, o menino virou homem de respeito, conhecedor do campo como poucos. Mas a falta de estudo era uma cerca invisível que o impedia de avançar. Quantas oportunidades se perderam porque não sabia ler ou assinar o próprio nome. Quantas vezes desistiu de comprar algum produto ou evitou contratos para não ter que usar apenas a digital.
Porteira para o conhecimento
Foi então que a vida abriu nova porteira. A esposa, Claudia, conhecendo o sonho guardado no coração do marido, decidiu inscrevê-lo no Programa Despertando, do Senar/MS. No início, bateu o medo, chegou a dizer que não entraria na sala. Mas a insistência da família e a paciência da professora logo transformaram receio em gratidão. Vieram os primeiros rabiscos, depois as letras e os números, e o que era mistério, virou realidade. Junto, o orgulho de assinar o próprio nome.
“Minha mão parecia tão pesada no começo. Quando aprendi a escrever ‘Felisberto’ parece que ela flutuava no papel. Não queria parar mais de tanta emoção”.
Escrever próprio nome representa resgate da confiança para Felisberto (Foto: Michael Franco)
O ponto alto veio no dia da cerimônia de encerramentoda etapa inicial. Felisberto recebeu o certificado, o primeiro de toda sua vida. Ao segurá-lo, sentiu como se realizasse, de uma só vez, o sonho guardado desde menino. O sonho de ser aluno, de ter escola, de aprender. “Fiquei tão emocionado, coração apertava. Quando peguei o certificado parece que o peso de uma vida saiu das minhas costas”.
Certificado é apenas início de um sonho que continua para ele (Foto: Michael Franco)
Persistência
Felisberto percorre 106 quilômetros todos os dias, 53 para ir, 53 para voltar, só para não faltar às aulas. Os patrões de têm papel importante na conquista do peão. Admirados pela dedicação dele, ajudam com o combustível para percorrer a distância até a sala de aula e flexibilizaram os horários de trabalho para que ele possa frequentar as aulas sem preocupação. Esse apoio tornou possível conciliar estudo e lida na fazenda, mostrando que incentivo e compreensão podem fazer toda a diferença na transformação de uma vida.
Aulas acontecem à noite no Sindicato Rural de Camapuã (Foto: Michael Franco)
E o sonho continua firme com a segunda etapa, com a possibilidade de abrir novas janelas do conhecimento. “Eu quero conseguir tudo que sonhei quando era novo. Aprender muito mais com fé em Deus e em Nossa Senhora, enquanto eu tiver força de vontade e saúde, não vou desistir”, resume, com o sorriso de quem carrega nas mãos não apenas um documento, mas a prova viva de que nunca é tarde para realizar um sonho.
Despertando – O programa tem carga horária presencial de 243 horas por etapa, com aproximadamente 81 dias úteis de duração, com encontros três vezes na semana, em turma de, no máximo, dez alunos. O Despertando é dividido em duas etapas: Inicial, para introdução da leitura, escrita da língua portuguesa e noções de cálculos matemáticos básico. E a Intermediária que aprimora conhecimento na interpretação, produção de texto e cálculos matemáticos mais complexos.
Nas duas etapas, são desenvolvidos temas complementares que abordam consciência da saúde física e mental, valorização da cultura do nosso estado, além de debate e divulgação de assuntos referentes ao Agro.
Para saber mais procure o Sindicato Rural do seu município.