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domingo, 22 de junho, 2025
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Governo e Congresso travam disputa sobre quem pagará a conta do ajuste fiscal de 2025

Uma disputa entre Executivo e Legislativo tem marcado as discussões sobre como fechar a conta do orçamento federal de 2025. O governo precisa encontrar R$ 20,5 bilhões para cumprir a meta fiscal e enfrenta forte resistência do Congresso às propostas de aumento de receita, como o reajuste do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A alternativa apontada pelos parlamentares é aprofundar os cortes nas chamadas despesas primárias — que incluem gastos com saúde, educação e outras políticas públicas.

A tensão ocorre em um cenário de ajuste fiscal já em andamento. Apenas neste ano, o governo bloqueou R$ 31,3 bilhões em despesas. Segundo analistas ouvidos pela Agência Brasil, o Executivo tem buscado alternativas que evitem novos cortes que afetariam diretamente a população mais pobre, mas enfrenta um Congresso reticente em aprovar medidas que envolvam aumento de impostos ou redução de benefícios fiscais a grandes setores da economia.

Resistência a cortes de benefícios tributários

Entre as propostas do Ministério da Fazenda está a taxação de 5% sobre os rendimentos de Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e do Agronegócio (LCA), que hoje são isentos. A medida foi criticada principalmente pela bancada ruralista, que alega que a mudança pode encarecer o crédito rural. A professora de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Juliane Furno, afirma que a proposta não representa um aumento de impostos, mas a redução de benefícios tributários.

“O governo está propondo cortar gastos tributários. Quando se isenta um título como a LCI ou LCA, é o Tesouro que cobre a conta. O Congresso não quer cortar esses gastos disfarçados, que hoje beneficiam principalmente grandes empresas e o setor financeiro”, explicou Furno.

Pressão por mais cortes nas despesas sociais

Do outro lado da disputa, parlamentares e representantes do setor empresarial pressionam por mais cortes nas despesas primárias. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem defendido medidas estruturais de contenção de gastos, como a desvinculação dos pisos constitucionais da saúde e da educação, além de mudanças na política de reajuste do salário mínimo.

A assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cleo Manhas, alerta para os impactos sociais de um ajuste que recai sobre os serviços públicos. “O que vemos é uma captura do orçamento pelos mais privilegiados, enquanto se amplia a desigualdade. Por que não cortam das emendas parlamentares, que hoje ocupam 25% das despesas discricionárias, ou dos supersalários?”, questiona.

IOF e custo do crédito

A proposta de aumentar o IOF também enfrentou resistência de lideranças políticas e do mercado financeiro, sob o argumento de que a medida encareceria o crédito para empresas e consumidores. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista ao podcast do cantor Mano Brown, defendeu a taxação como forma de garantir o equilíbrio fiscal. “Estamos pegando setores que ganham muito dinheiro e pagam muito pouco. Essa briga nós temos que fazer”, disse.

Após pressões, o governo recuou parcialmente, reduzindo a expectativa de arrecadação com o IOF de R$ 20 bilhões para R$ 10,5 bilhões. Mesmo assim, a Câmara dos Deputados aprovou um pedido de urgência para votar um projeto que pode anular a mudança.

Para Cleo Manhas, o impacto da elevação do IOF sobre o crédito seria pequeno se comparado ao efeito da atual taxa Selic, hoje em 15% ao ano. “O que onera de fato é a Selic proibitiva, que já limita o acesso ao crédito por pequenos comerciantes e microempreendedores”, destacou.

Cortes e novas medidas

O Executivo já implementou um pacote de cortes que, ao longo de cinco anos, deve reduzir as despesas em R$ 327 bilhões, incluindo a limitação do aumento real do salário mínimo. Neste mês, o governo apresentou uma nova Medida Provisória (MP) com cortes adicionais de R$ 4,2 bilhões, afetando áreas como educação e o seguro-defeso para pescadores. Além disso, a MP prevê aumento de receitas com taxação de apostas on-line (as chamadas bets), fintechs e a padronização da tributação de títulos de investimento.

Desoneração da folha e isenções

Outro ponto de atrito foi a manutenção da desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, aprovada pelo Congresso mesmo após veto do Executivo. A medida, que representa um gasto tributário de R$ 18 bilhões por ano, contribuiu para ampliar o desafio fiscal do governo.

O debate também inclui a possibilidade de um corte linear nas isenções fiscais, que hoje somam cerca de R$ 800 bilhões anuais, mas até o momento o governo ainda não formalizou um projeto neste sentido.

Arcabouço fiscal sob pressão

A busca por soluções é resultado das regras do novo arcabouço fiscal, aprovado no início do governo Lula para substituir o antigo teto de gastos. A legislação determina que qualquer aumento de despesa seja compensado com corte em outras áreas ou aumento de receita.

Para Cleo Manhas, a estratégia tem ampliado os riscos sociais. “Com dois anos de vigência do arcabouço, já vemos redução drástica no orçamento de políticas sociais. O caminho escolhido pelo Congresso penaliza justamente os mais vulneráveis: mulheres, negros, indígenas e ribeirinhos”, concluiu.

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