Sem previsão de retorno dos motoristas de ônibus que atuam pelo Consórcio Guaicurus, em Campo Grande, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), por meio do juiz Eduardo Lacerda Trevisan, decidiu por promover uma intervenção no contrato firmado entre a Prefeitura Municipal e o coletivo de empresas de viação. A decisão ocorreu nessa quarta-feira (17), quando o movimento de paralisação chegou ao terceiro dia seguido, atendendo ao pedido de uma ação popular.
Na justificativa, o juiz responsável destacou que houve falhas na execução do contrato por parte do Consórcio Guaicurus e também falta de medidas do Município para corrigir os problemas no transporte coletivo. “Há indícios suficientes das irregularidades e risco de prejuízo à população caso nenhuma medida seja adotada”, ponderou.
“Alegou que, não obstante as recomendações da CPI, a Prefeitura Municipal nada fez e essa inércia estatal configura verdadeira conduta lesiva passível de controle judicial. Que do ato omissivo lesivo é necessária intervenção corretiva por intermédio da presente ação popular”, destaca o juiz.
Conforme consta, a partir da notificação, a Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) e a Agência de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agereg) da Prefeitura de Campo Grande terão 30 dias para iniciar o processo, nomear um interventor e apresentar um plano de ação, sob pena de multa diária de R$ 300 mil.

Consórcio faz uma má prestação do serviço
O juiz citou algumas evidências que foram detectadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Municipal que investigou a concessão e disse que o Consórcio Guaicurus desrespeitou a Lei das Concessões. Veja algumas das evidências:
- Frota antiga e sem manutenção: o processo aponta que os ônibus têm, em média, mais de 8 anos de uso, acima do limite de 5 anos previsto em contrato. Também foram citadas falhas na manutenção e ausência de seguros obrigatórios.
- Relatório da CPI do Transporte: a decisão cita conclusões da CPI de 2025, que apontou prioridade aos interesses financeiros da empresa em detrimento da qualidade do serviço. Segundo a investigação, os recursos públicos foram repassados sem melhoria efetiva no transporte.
- Irregularidades financeiras: o processo menciona movimentações consideradas irregulares, como a transferência de R$ 32 milhões sem justificativa e a venda de um imóvel sem reinvestimento no sistema de transporte.
- Descumprimento de acordo: a Justiça também apontou que o Consórcio Guaicurus não cumpriu integralmente o Termo de Ajustamento de Gestão firmado em 2020 com o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS).
Prefeitura da Capital se omitiu
Ainda na decisão, o juiz responsável afirmou que faltou reação por parte da Prefeitura Municipal de Campo Grande diante das falhas do contrato. Veja os pontos citados:
- Falta de providências: segundo a decisão, o município não adotou as medidas previstas na Lei das Concessões para garantir o bom funcionamento do serviço, nem iniciou procedimentos para avaliar uma possível intervenção.
- Inércia do poder público: o juiz afirmou que a falta de ação do município configura uma conduta prejudicial à população e pode ser analisada pelo judiciário.
MPMS abre inquérito para investigar o Consórcio
O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) instaurou um inquérito civil para apurar possíveis irregularidades na contratação do Consórcio Guaicurus pelo município de Campo Grande. Segundo o promotor de Justiça, George Zarour Cezar, o objetivo é verificar irregularidades que possam ter causado prejuízos aos cofres públicos.
No relatório final da CPI, os vereadores pediram o indiciamento de diretores e ex-diretores do Consórcio Guaicurus e também de gestores e ex-gestores da Agetran e da Agereg entre os anos de 2012 a 2024 por improbidade administrativa. Análises de livros contábeis, como livro razão, livro diário e relatórios financeiros, indicam “fortes indícios de operações financeiras simuladas” para desvio de recursos.
Greve caminha para marca histórica

Com a confirmação dos motoristas de que não irão aceitar a determinação imposta pelo desembargador regional do Trabalho, César Palumbo, durante audiência de conciliação realizada na terça-feira (16), Campo Grande já registrar a maior greve dos motoristas de ônibus dos últimos 31 anos.
Mesmo sob multa diária de R$ 200 mil, a categoria rejeitou (não de forna unânime) o acatamento da decisão de escalonamento do serviço. O desembargador responsável determinou que 70% dos veículos rodem das 6h às 8h30; 50% das 8h30 às 17h; e novamente 70% das 17h às 20h; e 50% até o fechamento do dia. Em protesto, os motoristas deixaram a audiência antes do término.
Reunidos em assembleia extraordinária, os trabalhadores discutiram a possibilidade de pelo menos 40% dos ônibus circularem a partir dessa quarta-feira, mas a maioria dos motoristas recusou, ficando por tanto a paralisação total mantida por mais um dia, o terceiro, se aproximando do recorde de 1994, na gestão do prefeito Juvêncio Cesar da Fonseca, que durou 72h.
Durante a audiência, o presidente do Consórcio Guaicurus, Themis Oliveira, não apresentou nenhuma previsão ou proposta de pagamento do restante do salário de novembro, vencido no dia 05 deste mês, e da segunda parcela do 13º, vence no dia 19. “Infelizmente, vai continuar parada. Não é o que a gente quer, mas todo mundo que trabalha precisa receber”, disse o presidente Demétrio Freitas.
Consórcio Guaicurus não tem dinheiro
Themis Oliveira afirmou na audiência que o grupo empresarial enfrenta uma gravíssima crise financeira e que não tem condições de custear todas as despesas necessárias para manter o transporte público de Campo Grande funcionando. “Hoje não tem caixa disponível para pagar a outra parcela de 50%. Eu tenho que pagar diesel, pagar peça e uma série de questões”, ponderou, confirmando que recebeu o repasse adiantado da Prefeitura, de R$ 3 milhões.
Entretanto, ainda na sua fala, explicou que usou parte do montante para quitar outras dívidas. “Dentro desses 3 milhões havia recursos que eram devidos de setembro, agosto… meses passados que tínhamos compromisso”, completou a fala, ressaltando que não deu a prioridade para os trabalhadores.
O presidente do Consórcio voltou a mencionar que tem valores para receber da Prefeitura. “Nós vamos procurar conversar com a prefeitura para receber o que nós temos a receber ainda da prefeitura e negociar, negociar o tempo inteiro. É essa a palavra de ordem hoje”, disse ao final da audiência.
Ele ainda garantiu que parte da dívida ativa hoje das empresas de viação envolve subsídios do transporte estudantil, sendo R$ 4,8 milhões pendentes, referentes aos meses de agosto, setembro, outubro e novembro. Themis também falou sobre a diferença entre a tarifa pública e a tarifa técnica, exigindo que o Município deveria pagar por isso, mas não faz desde 2022, acumulando R$ 39 milhões em débito.

No contraponto, demonstrativos divulgados nessa terça-feira (16) pela Prefeitura de Campo Grande mostram que, no decorrer deste ano, foram pagos ao Consórcio Guaicurus pouco mais de R$ 26 milhões referentes às gratuidades dos estudantes das escolas públicas e também dos idosos e pessoas com deficiência.
A prefeita Adriane Lopes (PP), que até então não tinha participado de nenhuma coletiva sobre o assunto, dessa vez esteve presente e afirmou que a sua gestão está rigorosamente em dia. Toda documentação comprobatória dos repasses também foram compartilhadas nas redes sociais oficiais da Prefeitura. Confira os comprovantes aqui.
Foi reafirmado que a Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos (Agereg) abriu um processo para aplicação de multa diária ao Consórcio Guaicurus pelo descumprimento da decisão e a Procuradoria-Geral do Município ingressou como parte na ação trabalhista, para atuar diretamente na retomada imediata do serviço.




















