A recente decisão do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto acendeu o alerta em diversos setores da economia nacional. O anúncio, feito em meio à pré-campanha presidencial norte-americana, motivou a reação imediata do governo brasileiro, que regulamentou a chamada Lei da Reciprocidade como instrumento legal de defesa comercial.
A nova norma, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última segunda-feira (14), permite ao Brasil adotar medidas de retaliação econômica contra países que imponham barreiras unilaterais a seus produtos e serviços. Com a regulamentação, a Lei nº 15.122/2025 já está em vigor e tem aplicação imediata.
Apesar de representar um avanço institucional para proteção dos interesses brasileiros, a lei tem gerado apreensão entre empresários e líderes industriais, principalmente devido à forte dependência do mercado norte-americano em diversos segmentos da economia. O temor é que uma retaliação recíproca intensifique tensões diplomáticas e traga prejuízos econômicos de difícil reversão.
Com cautela
Por determinação do presidente Lula, foi criado um comitê interministerial coordenado pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), presidida pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Caberá à Camex avaliar medidas unilaterais adotadas por outros países — como aumentos de tarifas ou restrições sanitárias — e propor ações proporcionais, que vão de elevação de tarifas a suspensão de concessões e restrições a investimentos.
Desde o anúncio do tarifaço, Alckmin tem se reunido com representantes dos setores mais afetados. O agronegócio, que mantém contratos em andamento com importadores norte-americanos, foi um dos primeiros a pedir ao governo que evite retaliações imediatas e busque o diálogo com os Estados Unidos.
“O que temos observado é que o setor privado, tanto da indústria quanto do agro, está pedindo cautela. A ideia é ganhar tempo e buscar uma prorrogação do prazo de adoção da tarifa”, afirmou Josemar Franco, gerente de comércio internacional da consultoria BMJ.
Riscos econômicos e jurídicos
Especialistas apontam que a aplicação da Lei da Reciprocidade pode impactar diretamente o custo de insumos essenciais para a indústria nacional, afetando desde a cadeia tecnológica até a produção agroindustrial. Chips, peças e equipamentos importados poderiam ter seus preços elevados, comprometendo a competitividade de produtos brasileiros no exterior.
“A adoção de contramedidas, ainda que legítima, pode gerar impactos negativos para cadeias produtivas específicas, encarecendo insumos e comprometendo a competitividade internacional de determinados produtos”, explica o professor de Economia Euzébio Jorge Silveira, da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Para a advogada e pós-doutora em Direito Internacional Priscila Caneparo, o uso da lei deve ser ponderado e pode até mesmo agravar tensões diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos. Ela defende o acionamento do Sistema de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) como alternativa legal e técnica mais eficaz.
“O endurecimento pode restringir o acesso de exportadores brasileiros a insumos estratégicos e ainda gerar insegurança jurídica. É preciso avaliar impactos de médio e longo prazo”, afirmou.
Busca por consenso
O Senado Federal também se movimentou diante da crise e criou uma comissão temporária para negociar diretamente com autoridades dos Estados Unidos a reversão das tarifas. O objetivo é abrir um canal diplomático paralelo às tratativas conduzidas pelo Executivo.
O professor Silveira concorda com a busca por uma estratégia mais ampla. “O Brasil deve intensificar o diálogo diplomático com o governo norte-americano, buscando soluções negociadas sem abrir mão da defesa da soberania e dos interesses nacionais”.
Enquanto o prazo para a entrada em vigor das tarifas se aproxima, cresce a pressão do setor produtivo por uma postura equilibrada do governo, que preserve as relações comerciais sem abrir mão de uma resposta firme e proporcional.