Obama chega ao Brasil como popstar da política internacional

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Publicado em 05/10/2017 07h56

Obama chega ao Brasil como popstar da política internacional

Carisma e habilidades sociais garantem prestígio de ex-presidente dos EUA

R7

Bastou a notícia de que Barack Obama chegaria ao Brasil para uma palestra nesta quinta-feira (5) para que o nome do ex-presidente norte-americano se tornasse um dos mais comentados nas redes sociais dos brasileiros, ao lado de jovens celebridades e artistas famosos.

Não seria para menos: desde se tornou o primeiro negro a ocupar o cargo de liderança mais cobiçado do mundo, Obama se consagrou como o verdadeiro popstar da política internacional.

“Ele tem o poder de aproximar as pessoas neste contexto de diversidade, conflitos e dificuldades da história contemporânea”, aponta Sidney Ferreira Leite, especialista em Relações Internacionais e Pró-reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.

Dentro e fora dos Estados Unidos, as razões para o prestígio do ex-presidente envolvem carisma, capacidade de comunicação e visão acerca de temas atuais, conforme explica o especialista.

— Em primeiro lugar, ele usa uma linguagem simples, firme e direta, que foge do discurso rebuscado de muitos políticos. Mais importante que isso, Obama é uma figura comum, com hábitos e gostos e das pessoas médias. Ele não se coloca em um pedestal e tem fortíssimas habilidades sociais. A imagem que temos é de que ele é um cara com quem se pode encontrar na esquina, sentar em um banco e bater um papo.

Junto desses fatores, Leite destaca o fato de que o ex-presidente fala um inglês de fácil compreensão e defende questões de abrangência global — como a importância da educação e da saúde públicas.

“É muito difícil encontrar todas essas características em um mesmo político. São diferenciais importantes não só para figuras públicas, como para qualquer ser humano. Um papel como o de Obama — de alguém que gera empatia e defende valores admirados globalmente — é vital para o cenário da política internacional, em que vemos uma forte ascensão do nacionalismo”, pondera o professor.

Mestre no discurso

Logo em seu primeiro pronunciamento depois de ser eleito o 44º presidente norte-americano, Obama já surpreendeu críticos e apoiadores ao abordar a questão racial nos EUA de um jeito bem diferente do esperado. É o que diz Bruno Dallari, professor de linguística na UFPR (Universidade Federal do Paraná) e especialista em análise do discurso.

— O discurso racial nos EUA sempre foi e continua sendo muito antagônico — seja da parte dos brancos, seja da parte dos negros. O que foi novo é que Obama, sendo negro, não reafirmou posturas de confronto, o tempo todo ele ressaltou que governava para todos os americanos e não prioritariamente para os negros. No primeiro discurso após ser eleito, por exemplo, todos esperavam uma alusão a Martin Luther King e, em vez disso, ele contou a história de Ann Nixon Cooper, uma senhora negra de 106 anos que havia registrado seu voto em Atlanta. Ele evitou caracterizar sua vitória como uma espécie de revanche.

Sempre envolvido em organizações comunitárias, Obama viu sua carreira política começar em 1996, quando foi eleito para o Senado do Estado de Illinois e passou a lutar pela expansão dos serviços públicos de saúde e por programas de educação infantil para as populações mais pobres.

Elegeu-se para o Senado dos Estados Unidos em 2004 e, três anos depois, anunciou sua candidatura à Presidência da República, vencendo a senadora Hillary Clinton nas internas do Partido Democrata. Em 2008, derrotou o republicano John McCain nas eleições nacionais e se tornou o primeiro negro da história a governar o país.

Durante os oito anos em que esteve no poder, Obama desfez antagonismos com maestria: “Ele destacou o papel dos negros na sociedade americana e levou em conta a diferença de classes em suas declarações, mas nunca em tom de hostilidade”, pondera Dallari. Diversas vezes, o ex-presidente norte-americano evitou citar explicitamente o nome de seus opositores — o que, na opinião do professor, indica outra estratégia para desarmar os críticos.

— Quem quer ocupar o centro político e não deseja se desentender com grandes contingentes do eleitorado geralmente segue essa linha. Neste tipo de discurso, o antagonista nunca é mencionado. Ele é lembrado por meio de características, posturas, condutas. É uma maneira de atenuar a agressividade em determinadas declarações, o mesmo que dizer: ‘Eu não quero brigar com as pessoas, eu quero conversar com elas’.

Palavras e ações

Mais que jogar com as palavras, Barack Obama soube tirar proveito do cenário político e econômico em que foi eleito. Em 2009, seu antecessor George W. Bush deixou a presidência dos EUA com uma aprovação de apenas 40% dos eleitores, de acordo com dados divulgados pelo Gallup Poll, empresa de pesquisa de opinião dos Estados Unidos.

Geraldo Zahran, professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), acredita que a forte rejeição a Bush contribuiu para que os norte-americanos encarassem a chegada do novo líder com certo otimismo.

— Obama assumiu num período de crise econômica nos EUA por conta do unilateralismo da administração anterior e, logo no início de seu mandato, anunciou programas de combate à recessão, com a aprovação do pacote de auxílio do Estado na economia e a regulamentação do sistema bancário. Mesmo a comunidade internacional tinha uma boa vontade enorme para com ele, o que é comprovado pelo fato de ele ter recebido um prêmio Nobel da paz logo no primeiro ano de governo. Desde 2009 até 2016, não foram poucas as posturas políticas de Barack Obama que ganharam destaque dentro e fora dos EUA, conforme lembra Zahran.

— No plano doméstico, a lei mais marcante foi a da reforma no sistema de saúde, estendendo planos mais baratos às camadas mais pobres da população. Houve ainda a aprovação do casamento entre homossexuais e o fim da discriminação de homossexuais nas Forças Armadas do país. No plano internacional, vimos a primeira retirada das tropas no Iraque e a intervenção na Líbia, ainda que tenha sido uma intervenção complicada e alvo de críticas pela Rússia. Obama também deu início à mudança na política para com Cuba e firmou um acordo nuclear com o Irã em 2015. No mesmo ano, participou da assinatura dos acordos do clima em Paris.

Os episódios foram tão elogiados quanto criticados — assim como costuma acontecer com todos os grandes líderes norte-americanos: “Nos EUA, o partido de oposição costuma sempre ser agressivo e marcar um posicionamento de impedir qualquer ganho, qualquer triunfo do presidente. Então, realmente, foram anos de muito confronto”, afirma o especialista.

O diferencial de Obama é que, em momentos de crise nos EUA, ele soube conquistar a empatia do público e relacionar questões de importância global ao campo individual.

— O Obama é didático, mas sabe apelar para os grandes temas que provocam emoção. Quando ele fala em discriminação racial, por exemplo, ele fala do preconceito sentido pelas filhas dele. Quando jovens negros foram mortos por policiais brancos em diferentes estados americanos, ele diz que se tivesse um filho, esse filho provavelmente seria alvo da violência policial. Bem antes disso, em seu primeiro grande discurso como presidente fora do país, no Egito, ele reconhece que os EUA também erraram, derrubaram governos na região, admite a culpa e convida a audiência a olhar para o futuro e não para o passado.

Carisma, capacidade de comunicação e visão acerca de temas atuais são diferenciais de Barack Obama
JEWEL SAMAD / AFP