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terça-feira, 30 de setembro, 2025
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Pesquisadores desenvolvem diagnóstico rápido e não invasivo de sífilis congênita

Em 2007, segundo informações do Ministério da Saúde, foram diagnosticados 5.638 casos de sífilis congênita no Brasil. Dezesseis anos depois, em 2023, o número de casos saltou para 25.002. Ainda de acordo com os dados do Ministério, as mães que apresentaram maior prevalência da doença tinham entre 20 e 29 anos. A região Sudeste é a que mais registrou casos, sendo o Rio de Janeiro e São Paulo os campeões em relação aos demais estados do país. Esse aumento acompanhou a tendência dos demais países da América. O continente é responsável pela maior incidência mundial de casos de sífilis.

A sífilis é uma infecção bacteriana transmitida sexualmente e a sífilis congênita é uma infecção transmitida pela mãe com sífilis não tratada ou tratada de forma inadequada para a criança durante a gestação, ou seja, com transmissão vertical. “Eu trabalho na área da enfermagem pediátrica e vivo as dificuldades do controle da sífilis, que apesar de ter tratamento acessível e barato, vem apresentando uma escala crescente em todo o mundo, assolando nossas crianças com sequelas graves devido a falhas na prevenção materna e dificuldades encontradas em diagnosticar precocemente, já que a sífilis congênita é assintomática na maioria dos casos”, destaca a bióloga Deise Cristina Dal’Ongaro. Ela atua na área de Enfermagem do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh) .

A vivência no Hospital e as dificuldades de diagnóstico motivaram Deise a propor um projeto no Mestrado em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste, oferecido pela Faculdade de Medicina (Famed), na Cidade Universitária. “O diagnóstico da sífilis congênita é um processo complexo e oneroso, que depende da junção de vários fatores como: a história clínica epidemiológica materna, perfil sintomático da criança, corroborado por testes laboratoriais que demandam coleta invasiva e/ou manipulação específica de amostras que, apesar de apresentarem boa acurácia, podem conduzir a um diagnóstico errôneo”, explica a enfermeira.

Pesquisadores desenvolvem diagnóstico rápido e não invasivo de sífilis congênita

A dissertação foi apresentada neste ano e o trabalho de pesquisa foi orientado pela professora do Instituto Integrado de Saúde (Inisa) Daniele Soares Marangoni. “Tenho pesquisado o desenvolvimento neuromotor de bebês expostos a sífilis intraútero e outras infecções gestacionais há alguns anos. No entanto, a confirmação diagnóstica de casos em que o patógeno foi transmitido de forma significativa ao bebê, desencadeando a sífilis congênita, é altamente complexa, pois depende de experiência médica e de diferentes exames. O teste laboratorial de primeira escolha, o VDRL, requer coleta de sangue e tem baixa especificidade, demandando um segundo teste caso seja positivo. Isso gera alto custo ao sistema de saúde e dificulta o diagnóstico preciso e precoce”, avalia a orientadora. “Como Deise trabalha no setor de enfermagem do Hospital Universitário, a sua experiência com casos de sífilis congênita e dedicação para realizar a coleta de dados foi essencial para o estudo”, comenta a professora.

De acordo com a pesquisadora, bebês com sífilis congênita, especialmente quando não diagnosticadas e tratadas precocemente, apresentam alto risco de desenvolver disfunções neurológicas e sensoriais, incluindo paralisia cerebral e alterações visuais. “Isso também impacta as famílias, pois traz sobrecarga financeira, social e psicológica para oferecer à criança tratamentos médicos e de reabilitação de prazo indeterminado”, destaca a Daniele, que é também coordenadora do estudo e líder do Baby BRain – Baby Research Group on Brains Activiy and Neuromtor Development in Brazil.

Segundo Deise, a ciência dos biomarcadores vem se desenvolvendo nos últimos anos como forma de agilizar e assegurar um diagnóstico seguro. “Houve o interesse em pesquisar biomarcadores imunológicos específicos para o Treponema pallidum (agente causador da sífilis). Como essas moléculas biológicas podem ser encontradas em diversos fluídos corporais, optamos pela saliva, por ser de coleta não invasiva, com armazenagem de baixo custo e potencial de utilização em larga escala. A saliva é considerada uma biópsia líquida por sofrer influências do meio interno e externo ao organismo humano”, relata.

Pesquisadores desenvolvem diagnóstico rápido e não invasivo de sífilis congênita

“A Espectroscopia por Transformada de Fourier (FTIR) associada com a aprendizagem de máquina (AM) é uma ferramenta de análise promissora para facilitar a triagem e agilizar o tratamento”, elucida Deise. Em conjunto com os professores Cícero Cena e Bruno Marangoni, do Laboratório de Óptica e Fotônica (Sisfóton) do Instituto de Física (Infi), foi desenvolvido um método para análise direta de saliva com intuito de obter um diagnóstico precoce de sífilis congênita em bebês.

As pesquisadoras detalham que participaram do estudo bebês de 0 a 12 meses de idade, de ambos os sexos, nascidos ou admitidos para tratamento da sífilis congênita no Humap-UFMS/Ebserh. “As amostras foram divididas em grupo com sífilis congênita e grupo controle, com um total de 100 coletas no período de um ano, feitas no Hospital, que é referência para doenças infectocontagiosas do Estado. Nosso público-alvo foram lactentes até 1 ano de idade, sendo em sua grande maioria recém-nascidos. A saliva foi coletada com swab estéril comercial com ponta de rayon, armazenadas em freezer e, posteriormente, analisadas em parceria com o Sisfóton através de um espectrômetro”, explica Deise.

Ela ressalta que os resultados demonstram 90% de precisão, 100% de sensibilidade e 80% de especificidade, com uma taxa de erro consistente, principalmente devido a diagnósticos falso-positivos, destacando o potencial do método utilizado como uma ferramenta de triagem eficaz.

Para Deise, a abordagem provou ser robusta, não gerando diagnósticos falso-negativos para sífilis, garantindo a identificação confiável de casos positivos. “Embora quatro amostras do grupo controle tenham sido classificadas erroneamente como positivas para sífilis, esta não é uma grande preocupação, pois o objetivo principal é usar algoritmos de FTIR e AM como ferramenta de triagem. Em um ambiente clínico, resultados falso-positivos podem levar à confirmação por meio de técnicas de referência, enquanto diagnósticos negativos fornecem alta certeza. Portanto, o método se mostrou promissor como uma ferramenta de triagem rápida para sífilis congênita, com coleta de amostra minimamente invasiva, auxiliando na identificação precoce de casos positivos que requerem investigação clínica adicional”, acrescentou a enfermeira.

Pesquisadores desenvolvem diagnóstico rápido e não invasivo de sífilis congênita

“Para a área clínica, o protocolo traz eficiência, rapidez e confiabilidade, possibilitando um início de tratamento precoce, evitando danos maiores ao lactente e diminuindo o tempo de internação e consequentemente os custos hospitalares. Além disso, os diagnósticos baseados em saliva podem ser particularmente úteis em cenários nos quais os métodos diagnósticos tradicionais não estão disponíveis ou não são viáveis, como áreas remotas ou com recursos limitados”, ressalta Deise.

As pesquisadoras falam sobre os próximos passos em relação ao estudo. “Pretendemos refinar a técnica, especialmente aumentando o número amostral. Nosso intuito será disponibilizar o método publicamente o mais cedo possível para que possamos auxiliar no diagnóstico da doença. Isso permite que as crianças possam receber tratamento o mais cedo possível”, fala Daniele. “Nossa expectativa com relação ao estudo é validar biomarcadores específicos para a sífilis congênita através de um estudo longitudinal com aumento expressivo de amostras, bem como aprimorar as técnicas de coleta, processamento e os modelos de aprendizagem de máquina, com o objetivo de desenvolver uma ferramenta fácil de usar através de espectrômetros portáteis para uma análise diagnóstica em tempo real (beira leito), que possa ser mundialmente utilizada nos sistemas de saúde”, completa Deise.

O texto completo da dissertação pode se encontrado na página do Repositório Institucional da UFMS (clique aqui). Também foi publicado artigo no Scientific Reports, o quinto periódico mais citado no mundo.

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