Primeira radionovela brasileira faz 80 anos

697
EM BUSCA DA FELICIDADE (ÁLBUM PROMOCIONAL) - 20.05.1942 (1)

Uma mulher de 18 anos descobre, em uma noite, que foi adotada e é fruto de um relacionamento extraconjugal de seu pai adotivo com a empregada da família. A partir daí, a vida muda por completo e eles enfrentam inúmeras tragédias pessoais. Essa era a trama de Em busca da felicidade, primeira radionovela brasileira veiculada na Rádio Nacional, cuja estreia completa 80 anos neste sábado (5).Primeira radionovela brasileira faz 80 anosPrimeira radionovela brasileira faz 80 anos

A história gira em torno do segredo por trás da adoção de Alice (Isis de Oliveira) pelo rico casal Alfredo Medina (Rodolfo Mayer) e Anita de Montemar (Zezé Fonseca). Carlota (Yara Sales), a empregada e mãe biológica da personagem, alega que não teria condições de criar a menina. Após a revelação de que Alice era filha de Alfredo e Carlota, os personagens enfrentam dramas em busca da felicidade alardeada no título.

Antes de 1941, os ouvintes já ligavam o aparelho para escutar tramas do radioteatro. Mas com Em busca da felicidade, o formato mudou. O texto original do cubano Leandro Blanco foi adaptado por Gilberto Martins e seguia o estilo das soap operas norte-americanas: capítulos estruturados, exibição periódica e veiculação de propaganda. A experiência bem sucedida no rádio começou a pavimentar a paixão do brasileiro pela dramaturgia, consolidada na televisão.

A ideia veio da empresa Colgate, patrocinadora da trama, que originalmente queria apenas comprar o horário da emissora para a transmissão e contratar o diretor Vitor Costa e elenco por conta própria. Mas a Nacional não aceitou e foi decidido que a produção ficaria a cargo da rádio.

Horário matutino

A novela foi transmitida no horário matutino, às 10h30, toda segunda, quarta e sexta, até o ano de 1943. O elenco criticou a faixa escolhida para a exibição da radionovela, por não ser considerado nobre à época. Mas o objetivo era alcançar um público específico: as donas de casa, consumidoras dos produtos da patrocinadora. 

Uma campanha promocional, criada para aferir a audiência do programa, mostrou logo o impacto da novela. Os ouvintes enviaram cartas com embalagens dos produtos da patrocinadora para receber, em troca, um álbum com o resumo da história, informações sobre os personagens e fotos dos atores (confira na galeria abaixo). Mas o número de correspondências foi muito acima do esperado e a promoção foi interrompida porque os livretos se esgotaram.

Primeira radionovela brasileira faz 80 anos
Álbum promocional traz fotos dos atores da radionovela Em busca da felicidade – Acervo EBC/Direitos reservados


Realidade x ficção

Com elenco formado por estrelas como Rodolfo Mayer, Zezé Fonseca, Isis de Oliveira, Floriano Faissal, Yara Sales, Amaral Gurgel, Lourdes Mayer, Saint Clair Lopes, Brandão Filho e Luís Tito, entre outros, a novela mexeu com o imaginário do público.

A ficção se misturava com a realidade. Thiago Guimarães, pesquisador do Acervo da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), conta que os atores eram constantemente confundidos com os personagens. Floriano Faissal, que interpretava o médico Doutor Mendonça, chegou a ser “consultado” por uma ouvinte que sofria com dores no fígado. Já Saint Clair Lopes foi abordado por um homem que achava que era parente de seu personagem. 

A novela afetava de tal forma a vida dos ouvintes que uma mulher procurou os jornais ao constatar que se mudaria e não conseguiria saber o final da história, como relata Thiago Guimarães.

Com o sucesso de Em Busca da Felicidade, a Rádio Nacional investiu pesado na produção das radionovelas e emplacou inúmeras tramas de sucesso – entre eles, O Direito de Nascer. Rose Esquenazi, jornalista e professora da PUC-Rio, lembra que, durante a transmissão desse clássico, os ouvintes da Nacional chegaram a enviar um enxoval completo para o fictício bebê de uma personagem, que nasceu durante a trama.

As principais radionovelas falavam de amores proibidos e mexiam com temas como infidelidade e preconceito entre classes sociais, entre outros. Tinham títulos que fortaleciam o melodrama. Rose reforça ainda que os ouvintes se identificavam com a história e comparavam a própria vida com a dos personagens, que tinham dramas verossímeis. “Havia uma certa relativização a partir da existência destas personagens”, afirma.

Elenco estrelado e novos autores

Como pelo rádio o público não podia ver os atores, os ouvintes consumiam revistas da época, que mostravam quem eram os artistas. Além disso, a Nacional fazia caravanas pelo país com o elenco, que também estrelava filmes da época. A sede da emissora, na Praça Mauá, recebia fãs que iam ao local só para ver os ídolos.

Estúdio da Rádio Nacional do Rio de Janeiro onde as radionovelas eram gravadas, conhecido como
Estúdio da Rádio Nacional do Rio de Janeiro onde as radionovelas eram gravadas, conhecido como “casinha do radioteatro” – Foto: Acervo EBC

Os artistas da Nacional influenciavam o público. O marketing da emissora conseguia lançar produtos novos alinhados com o perfil das estrelas do rádio, que faziam estrondo sucesso. Afinal, as pessoas queriam consumir o mesmo que os atores da época.

A partir da explosão da dramaturgia no rádio, surgiram novos autores que começaram na rádio e depois foram para o teatro e a televisão, como Dias Gomes, Oduvaldo Vianna e Janete Clair.

Certificado Unesco

Infelizmente, não há registro sonoro da radionovela. Na época em que foi ao ar, em plena Segunda Guerra Mundial, o material era gravado em acetatos à base de vidro que, devido à fragilidade, não resistiram ao passar dos anos. Este breve trecho, gravado anos depois em homenagem ao programa pioneiro, simula como seria a abertura da radionovela. O prefixo, narrado por Aurélio de Andrade, locutor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, era assim: “Senhoras e senhoritas, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro apresenta Em busca da felicidade, emocionante novela de Leandro Blanco, anunciando também a parceria da Rádio com a Empresa de Propaganda Standard Ltda., responsável pela conta publicitária da Colgate-Palmolive no Brasil”. Clique na matéria para ouvir:

Mas parte dos roteiros da novela estão conservados: seis dos nove volumes do conjunto são mantidos pelo Acervo da EBC. O trabalho de restauração começou em 2018, quando os roteiros foram tirados do arquivo. Ainda naquele ano, este acervo ganhou o certificado Programa Memória do Mundo da Unesco, reconhecido por reunir documentos relevantes para a memória coletiva. Os cadernos foram restaurados e digitalizados, em um trabalho que durou seis meses, como conta a gerente de Acervo da EBC, Maria Carnevale.

Fonte: Agência Brasil