Em meio à crescente urgência pela regulamentação das redes sociais no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira (4) o julgamento que discute a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos publicados por usuários. O tema, que também tramita no Congresso Nacional, tem gerado tensão entre os Poderes e reações divergentes no meio político.
Atualmente, as big techs operam no Brasil sob as regras do Marco Civil da Internet, de 2014. A norma estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas caso descumpram uma ordem judicial para remoção de conteúdo, exceto em casos específicos, como divulgação de conteúdo sexual não autorizado ou violação de direitos autorais.
No julgamento, os ministros discutem se essa regra ainda é suficiente para proteger direitos fundamentais. A expectativa é que o STF amplie as situações em que as plataformas podem ser responsabilizadas, principalmente em casos de conteúdos ofensivos, perfis falsos ou publicações que incitem crimes e discursos de ódio, sem a necessidade de uma decisão judicial prévia.
Tensão entre STF e Congresso
A retomada do julgamento reacendeu críticas de parlamentares, que alegam que a questão deveria ser tratada pelo Poder Legislativo. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, rebateu as críticas e afirmou que o tribunal não está legislando, mas sim julgando casos concretos.
“O Judiciário não está legislando e muito menos regulando em caráter geral, abstrato e definitivo as plataformas digitais. Deixando claro, os critérios adotados pelo tribunal só prevalecerão até que Congresso legisle, se e quando entender que deve legislar”, explicou Barroso.
O ministro também ressaltou que a decisão do STF busca proteger direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, e preservar valores democráticos.
Os casos que estão na pauta
Duas ações são analisadas. Em uma delas, o Facebook questiona decisão que determinou a exclusão de um perfil falso. Na outra, o Google contesta uma sentença que o responsabilizou por não remover uma comunidade ofensiva no antigo Orkut, além de exigir o pagamento de danos morais.
O relator de uma das ações, ministro Dias Toffoli, defendeu a responsabilização das plataformas mediante notificação extrajudicial, ou seja, sem depender de decisão judicial, como ocorre atualmente. Para ele, exigir uma ordem judicial em todos os casos dá uma espécie de “imunidade” às plataformas.
Especialistas defendem atualização da lei
Para o doutor em direito civil Luiz Fernando Plastino, o debate sobre a constitucionalidade da atual legislação é necessário, mas tem sido prejudicado pela polarização política.
“Falamos de uma forma de manter valores democráticos que ultrapassam alinhamento político, mas não conseguimos discutir de forma isenta nesse aspecto”, avaliou.
Plastino entende que, embora o STF tenha o dever de analisar a compatibilidade da lei com a Constituição, a atualização das regras deve partir do Congresso, órgão eleito para legislar.
Lula apoia a regulamentação
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também se posicionou a favor da regulamentação das plataformas digitais. Em coletiva na terça-feira (3), Lula defendeu que o processo seja acelerado, seja pelo Congresso ou, caso não avance, pelo próprio STF.
“Não é possível que um cara tente dar um golpe de Estado neste país e diga que isso é liberdade de expressão”, criticou, em referência indireta aos atos de 8 de janeiro, quando bolsonaristas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Lula reforçou que a medida visa a preservação da democracia, e não se trata de censura, como alegam seus opositores.
Enquanto o PL das Fake News, aprovado no Senado, segue parado na Câmara dos Deputados, o STF avança no julgamento que pode mudar de forma significativa a relação das plataformas digitais com seus usuários e com a Justiça no Brasil.