Uma tecnologia simples, mas com potencial transformador: instalar meliponários, estruturas destinadas à criação de abelhas nativas sem ferrão, em áreas agrícolas. Essa foi a ideia que levou o pesquisador e empreendedor Eduardo Cerqueira a criar a startup Agro Nativa. Com o apoio das mentorias e capacitações do programa Inova Cerrado – iniciativa do Sebrae/MS voltada ao fomento de soluções em bioeconomia –, o projeto evoluiu de uma ideia para um modelo de negócio.
O programa Inova Cerrado é desenvolvido em parceria com o Governo do Estado, por meio da Semadesc e Fundect. Em fevereiro deste ano, os acompanhados do programa, e também do Inova Pantanal, concorreram com seus projetos no “Demoday”. Foram premiados seis projetos, dentre eles, a Agro Nativa conquistou o primeiro lugar e um prêmio de R$ 15 mil.
A trajetória de Eduardo teve início no interesse dele pelas abelhas, durante a graduação em Biologia, quando passou a desenvolver projetos de pesquisa voltados ao estudo da biologia e ecologia desses insetos. A observação dos impactos positivos da polinização na produção de alimentos, como o aumento significativo da produtividade nos cultivos agrícolas, e o valor econômico gerado por esse serviço, o fizeram perceber a possibilidade de criar um negócio que unisse ciência, agricultura e conservação ambiental.
“As abelhas polinizam mais de 50% das angiospermas, que são plantas com flores e frutos. Quando a gente considera as espécies com interesse agrícola, essa porcentagem sobe ainda mais. Há estudos que falam em 70%, outros em até 90%, dependendo do grupo de plantas analisado. A partir dessas descobertas, percebi que isso poderia virar um negócio”, conta o empreendedor.
A ideia se concretizou em uma solução de mercado no ano passado, com a seleção do projeto para o Inova Cerrado. A proposta desenvolvida pela Agro Nativa ao longo do programa conecta agricultores a produtores de abelhas sem ferrão, promovendo uma agricultura mais sustentável e produtiva. Por meio da instalação de meliponários, a startup contribui para o aumento da produtividade nas lavouras, incentiva a produção de mel e fortalece a conservação da biodiversidade.
“A gente pergunta ao produtor qual é a área da propriedade e quais cultivos existem ali. A partir dessas informações, conseguimos definir quais espécies de abelhas são mais adequadas para aquele contexto”, explica. “Cada espécie tem preferência por famílias de plantas, por conta do formato das flores, então fazemos essa análise. Utilizamos um modelo básico de meliponário que atende quase todos os cultivos de plantas com quatro espécies-chaves, e consegue cobrir uma área de aproximadamente um hectare. Se o agricultor tem uma plantação diversificada em uma área desse tamanho, por exemplo, esse meliponário já é suficiente para garantir a polinização das diferentes culturas”, continua.
A solução é especialmente eficaz para agricultores familiares, que atuam em pequenas propriedades, e se diferencia por ser segura para ambientes urbanos, já que as abelhas nativas não representam riscos para pessoas e animais, podendo ser aplicadas em diferentes contextos. Com a instalação dos meliponários, a empresa também fomenta a procura por criadores de abelhas nativas e estimula a produção de mel – que possui valor agregado mais alto que o mel de abelhas comuns –, além de impactar positivamente o ambiente natural ao redor das propriedades.
“A gente costuma brincar que a abelha não conhece cerca. Ou seja, elas não respeitam os limites da propriedade. Se você instala meliponários em uma área rural, as abelhas vão polinizar também as plantas dessas matas nativas. Com isso, há um aumento significativo na reprodução dessas plantas, na produção de frutos e, por consequência, na atração de mais animais para aquele ambiente. Esses animais, por sua vez, consomem os frutos e espalham as sementes, o que contribui para a regeneração natural da vegetação. Isso inicia uma cadeia trófica: os animais que se alimentam das plantas favorecidas pelas abelhas alimentam outros animais, inclusive predadores de topo de cadeia. A biodiversidade cresce como um todo”, afirma.
Para Eduardo, o principal desafio no desenvolvimento da inovação foi compreender como transformar uma solução científica em um produto com valor de mercado, e o apoio do Sebrae foi o grande ponto de virada para essa união entre o conhecimento técnico e o olhar empreendedor. “A participação no edital fez com que observássemos uma série de elementos, porque quando se está no universo científico, não há preocupação em vender. É uma coisa muito à parte. Então, o que o Sebrae proporcionou para a gente nesse aspecto foi determinante. Hoje, não estaríamos fazendo essa entrevista, nem oferecendo essa solução, se não fosse essa assessoria do Sebrae. E não parou por aí. O Sebrae se preocupa com continuidade e nos inseriu num ecossistema em que pudéssemos desenvolver mais ainda a nossa empresa”.
A Agro Nativa iniciou as vendas e o atendimento a diferentes públicos ao final da primeira etapa do Inova Cerrado, passando também a oferecer assessoria técnica e treinamentos especializados. Desde então, além dos agricultores, a startup tem atraído clientes interessados em educação ambiental, turismo ecológico e até mesmo em manter abelhas como pets.
Proposta desenvolvida pela Agro Nativa conecta agricultores a produtores de abelhas sem ferrão, promovendo uma agricultura mais sustentável e produtiva
Atualmente, a empresa participa da segunda etapa do programa, com o objetivo de, junto ao Sebrae, adaptar os serviços às diferentes demandas, escalar a solução e continuar contribuindo com a agricultura sustentável e a conservação ambiental. “Não temos uma referência de outra empresa fazendo exatamente o que a gente faz. Existem apicultores que oferecem serviço de polinização, mas eles não conseguem atender, por exemplo, a pessoa que tem uma horta dentro da cidade, onde é proibido criar abelhas com ferrão, ou agricultores familiares com um sítio pequeno, onde o uso de abelhas agressivas poderia colocar pessoas ou animais em risco. Então, estamos buscando entender melhor essas realidades para conseguir atender esses públicos”, explica Eduardo.
O pesquisador e empresário também destaca a importância da bolsa oferecida na segunda etapa do programa, que tem permitido maior dedicação ao desenvolvimento da Agro Nativa e ao compromisso com a bioeconomia. “Com a bolsa, consigo dedicar pelo menos meio período exclusivamente para desenvolver a Agro Nativa, deixando de lado outras atividades que eu fazia apenas para sobreviver”, revela. “O lucro é uma consequência. O nosso foco é produzir alimentos com qualidade e conservar aquilo que temos de mais valioso: nossas florestas, nossos ecossistemas, nossa biodiversidade. Para nós, o verdadeiro conservador é aquele que conserva a natureza, e é isso que a gente busca com o nosso trabalho”, finaliza.
Inova Cerrado
O Inova Cerrado é uma estratégia focada em fomentar, apoiar e desenvolver pequenos negócios, startups, empreendimentos e ideias inovadoras alinhadas à bioeconomia, que tenham como premissa a atuação direta ou indireta para preservação ou uso sustentável dos recursos da biodiversidade do bioma. O Programa tem como objetivo gerar novos negócios, agregar valor às empresas existentes e fortalecer o ecossistema da bioeconomia, por meio da inovação, da sustentabilidade e da conexão entre empreendedores da região e empreendedores de outras localidades. Para atender diferentes perfis de empreendedores, o Programa foi organizado em módulos independentes, com objetivos diferentes, que consideram a maturidade empresarial do público-alvo. Mais informações sobre as ações promovidas pelo Sebrae/MS podem ser obtidas por meio do site ms.sebrae.com.br ou pelo telefone 0800 570 0800.
