Justiças estaduais expediram, no ano passado, 553 mil medidas protetivas depois de denúncias; país tem 153 mil equipamentos
O Brasil precisaria comprar 399.882 tornozeleiras eletrônicas para cumprir a recomendação do Ministério da Justiça e Segurança Pública de monitorar denunciados por agressão doméstica. Até dezembro do ano passado, data da atualização mais recente, o país tinha 153.509 equipamentos, segundo a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais). Em 2023, as justiças estaduais expediram 553.391 medidas protetivas depois de denúncias de violência doméstica, de acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Na semana passada, o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) recomendou que agressores envolvidos em crimes do tipo sejam monitorados eletronicamente. O objetivo é garantir que as medidas protetivas de urgência sejam efetivas.
A reportagem perguntou ao Ministério da Justiça se a pasta tem intenção de adquirir tornozeleiras eletrônicas para cumprir a sugestão da secretaria, além de questionar a data, a quantidade de equipamentos que seriam comprados e o preço médio de cada um. No entanto, não houve retorno até a última atualização deste texto.
Em novembro do ano passado, o Ministério das Mulheres disponibilizou R$ 1,5 milhão para a compra de tornozeleiras eletrônicas para uso em agressores como mecanismo de proteção às mulheres. A iniciativa fez parte dos objetivos do Programa Mulher Viver sem Violência e do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios.
A reportagem também perguntou à pasta se o processo já foi encerrado, se os equipamentos foram comprados e por quanto e a quais unidades federativas os itens serão distribuídos. Os questionamentos também não foram respondidos, e o espaço segue aberto.
Medidas podem ser efetivas
Especialistas consultados afirmam que as sugestões podem auxiliar na redução dos números de violência doméstica no país. Em 2023, ao menos oito mulheres foram vítimas de violência doméstica a cada 24 horas. Os dados referem-se a oito dos nove estados monitorados pela Rede de Observatórios da Segurança (Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo).
O delegado André Santos Pereira, presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo, aponta que o monitoramento dos agressores com tornozeleira eletrônica pode ser efetivo, desde que acompanhado de outras medidas.
“Não adianta nós termos apenas a tornozeleira, ou seja, os mecanismos para identificar que os agressores se aproximam das vítimas, sem que tenhamos uma pronta resposta no momento em que esses agressores se aproximarem. Portanto, a medida é importante, mas, por si só, não tem efetividade. Precisa ser acompanhada de todo um aparato, uma possibilidade de estrutura, com viaturas e locais para atendimento, para que a gente tenha a proteção integral da mulher, inclusive, nesses momentos de maior urgência.”
O advogado e mestre em direito penal Enzo Fachini concorda com o colega e acrescenta que a iniciativa também pode ser eficaz para conter o avanço dos crimes.
“Monitorar os agressores pode ser efetivo em dois aspectos. Um deles é a redução do número de reincidências de agressões. Não é incomum que um agressor volte a agredir a mesma vítima mais de uma vez. Também pode ser eficiente quando se olha pelo cumprimento das medidas protetivas de urgência, em especial aquelas que obrigam o agressor a deixar o lar conjugal e as proibições de proximidade.”
O advogado criminalista Rafael Paiva destaca que a medida, além de importante, já está prevista no Cógico de Processo Penal.
“Evita a prisão e é uma forma de saber exatamente onde está o agressor, se ele se aproximou da vítima ou não. Hoje a gente tem tecnologia suficiente para automatizar isso — assim que ele se aproximar da vítima 200, 300, 500 metros, pode soar um alarme para a polícia e para a própria vítima. É uma medida que deve ser, sim, aplicada. Não tem um custo tão alto e a efetividade é gigantesca.”
Paiva, que também é especialista em violência doméstica e professor de direito penal, processo penal e Lei Maria da Penha, acrescenta que a tornozeleira eletrônica pode diminuir não apenas o crime de violência doméstica.
“Seria um efeito secundário, porque o indivíduo passaria a ter medo de andar com a tornozeleira. O efeito primário é, justamente, diminuir os casos de descumprimento de medida protetiva, que, inclusive, é crime hoje. Acontece que a polícia acaba tendo dificuldades pela falta de provas. Com a tecnologia, a gente conseguiria provar, em tempo real, que o indivíduo se aproximou da vítima. Então, é uma medida que pode diminuir drasticamente o crime de violação de medida protetiva”, completou Paiva.
Fonte: R7