São 645 servidores para atender 203 milhões de pessoas; serviço oferece assistência jurídica para quem não pode pagar advogado
Há apenas um defensor público da União a cada 314.825 brasileiros, de acordo com a Pesquisa Nacional da Defensoria Pública 2023. Segundo o levantamento, são 645 servidores em todo o Brasil para atender 203.062.512 habitantes. A defensoria pública é um serviço do Estado que presta assistência jurídica aos grupos que não têm condições de pagar advogado.
Nas defensorias públicas estaduais (DPEs) e do Distrito Federal (DPDF), que têm 6.216 protetores, a proporção vai para um defensor a cada 32.667 brasileiros. A Defensoria Pública da União (DPU) é responsável pelo auxílio em matérias de competência da Justiça Federal, enquanto as DPEs e a DPDF têm jurisprudência nos assuntos ligados aos órgãos de Justiça das unidades federativas.
A pesquisa destaca que a quantidade escassa de defensores públicos afeta o exercício democrático constitucional, ao tornar o acesso à Justiça um privilégio de poucos. “Como o reconhecimento formal de direitos pelo ordenamento jurídico não implica automaticamente em sua efetivação prática, aqueles que se veem impedidos de acessar o sistema acabam sendo colocadas sob o risco de terem seus direitos ignorados ou violados”, alertam os pesquisadores.
“Justamente por isso, o acesso à Justiça constitui um dos direitos cívicos mais básicos de um Estado democrático que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos. Se tal garantia revela-se disponível a uma reduzida parcela da população, não apenas o acesso à justiça aproxima-se de uma situação de privilégio, mas a própria legitimidade do modelo constitucional está em xeque”, completam.
A Justiça Federal é dividida em 279 subseções, das quais apenas 26,4% são atendidas pela DPU. O atendimento nas unidades federativas é feito nas comarcas. Destas, 49,8% possuem uma defensoria pública estadual ou do DF — em 2021, o dado estava em 47%.
A proporção entre defensores públicos estaduais e população, em 19 unidades federativas, está abaixo de 30 mil. Nas oito restantes, o resultado varia entre 31 mil e 100 mil pessoas para cada um defensor público estadual.
A pesquisa — realizada pelas 27 defensorias estaduais e do DF, pela DPU, pelo Conselho Nacional dos Corregedores Gerais (CNCG), pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Gerais (Condege) e pela Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef) — mostra que cerca de 25%, na Justiça estadual, e 41%, na Justiça federal, da população brasileira está potencialmente de fora do sistema de justiça e impedida de reivindicar direitos por meio da defensoria pública.
A quantidade total de defensores públicos da União (645) é inferior ao número dos agentes estaduais em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. A unidade federativa com menos defensores públicos estaduais é Roraima, com 43 (confira o levantamento completo abaixo).
Defensores públicos por unidade federativa
• São Paulo: 770
• Rio de Janeiro: 748
• Minas Gerais: 656
• Rio Grande do Sul: 443
• Bahia: 376
• Ceará: 351
• Pernambuco: 296
• Pará: 245
• Distrito Federal: 239
• Paraíba: 219
• Mato Grosso do Sul: 207
• Maranhão: 197
• Mato Grosso: 194
• Espírito Santo: 170
• Amazonas: 123
• Santa Catarina: 117
• Piauí: 112
• Paraná: 108
• Tocantins: 107
• Sergipe: 87
• Alagoas: 84
• Goiás: 83
• Rondônia: 77
• Rio Grande do Norte: 70
• Amapá: 50
• Acre: 44
• Roraima: 43
• Defensores públicos da União: 645
• Defensores públicos das DPEs e da DPDF: 6.861
Baixa cobertura afeta pessoas vulnerabilizadas
Na análise da defensora pública do Rio de Janeiro, que atua junto ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), Maria Cecília Lessa da Rocha, a presença da DPU nas seções federais é “deficitária”. “Uma das principais consequências da baixa cobertura é a precariedade do acesso à Justiça pelas pessoas que não podem pagar advogados”, aponta.
Ela explica que o critério de atendimento na DPU é o limite de renda familiar de até três salários mínimos. Como as defensorias estaduais e do DF têm autonomia para definir as próprias condições de acordo com as características das regiões onde estão, o teto acaba variando de local para local. A média de limite nas DPEs e na DPDF, porém, também é de três salários mínimos.
“As defensorias levam em conta também despesas excepcionais, como gastos com pessoas da família doentes. Então, pode ser que as pessoas atendidas ultrapassem um pouco a faixa limitada”, completa Maria Cecília, que é diretora jurídica da Anadef.
A falta de assistência judicial pode comprometer o acesso a direitos básicos da população, como destaca a defensora. “Para demandas de saúde, por exemplo, para medicamentos de alto custo, se o indivíduo não tem condições de pagar um advogado, ele passa a ter dificuldades para conseguir esse remédio, já que os medicamentos de alto custo devem ser fornecidos pela União, conforme a distribuição federativa do Sistema Único de Saúde (SUS).”
“Também para quem depende do regime geral de seguridade, todo segurado do INSS que for hipossuficiente terá dificuldades para acessar a Justiça, assim como quem precisar de defesa em um processo criminal”, exemplifica.
Além de quem precisa acessar o sistema de justiça, a carência de defensores afeta setores de pessoas em vulnerabilidade — como a população de rua, migrantes, refugiados e comunidades tradicionais —, porque os defensores não agem apenas quando são acionados.
“Esses grupos ficam desassistidos, já que as defensorias públicas agem como instituições voltadas à prestação de assistência jurídica integral e gratuita. Lembrando que muitas pessoas estão em vários cruzamentos de vulnerabilidades”, afirma a defensora.
“Há ainda um aspecto estrutural na baixa cobertura territorial das defensorias públicas, que diz respeito a possibilidades muito pequenas de educação jurídica e de a população conhecer os próprios direitos, além de afetar a credibilidade no sistema de leis, devido à incerteza na proteção dos direitos básicos”, diz Maria Cecília.
Soluções
Maria Cecília aponta que, apesar das carências, as defensorias públicas procuram agir criativamente para driblar as dificuldades. No entanto, alerta a especialista, é preciso que o acesso à Justiça seja priorizado enquanto política pública.
“Cada defensoria de acordo com as próprias carências, vai buscar soluções. Precisamos expandir, idealmente, o pessoal e as tecnologias. As defensorias têm optado, dentro das possibilidades, ampliar trabalhos temáticos, como a atuação a favor de grupos específicos, mas essas formas também têm limites dentro da capacidade de recursos que cada uma das defensorias têm”, afirma.
“Além de atuar com criatividade e priorizar investimentos, quando possível, em tecnologia e na atualização de sistemas, é preciso que os governos, tanto estaduais quanto federal, encarem a assistência jurídica como um programa de Estado, para que se façam políticas públicas de otimização e expansão dos serviços de forma realista, o que implica em priorizar, na alocação de recursos, as pessoas que precisam das defensorias”, finaliza Maria Cecília.