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A judicialização da saúde e o direito à vida

12/06/2019 06h36
Por: Thiago Noronha (¹)

O Brasil vem acompanhando um movimento crescente, desenfreado e massivo atinente à busca da judicialização da saúde, o que vem alarmando gestores da saúde, juristas e produzindo reflexos na sociedade.

O fenômeno da judicialização da saúde é complexo e de difícil definição. Todavia, apenas para situar o leitor, sem pretensão conceitual ou acadêmica, pode-se dizer que é a busca pelo judiciário, como última instância, para os casos em que o Estado ou operadoras de planos de saúde se negam ou não conseguem oferecer ao cidadão, tratamento, medicamentos ou insumos necessários à manutenção ou recuperação de sua saúde e/ou bem-estar.

Dos tratamentos mais complexos àqueles que se busca o mínimo para satisfação da dignidade da pessoa humana, o judiciário se depara com inúmeras ações e todo tipo de pedido.

Há desde pedidos de fornecimento de medicamentos como SPINRAZA 2,4MG/ML, cujo tratamento com 4 doses custa ao erário público o valor aproximado de R$ 1.188.611,00, a requerimento para fornecimento de fraldas geriátricas descartáveis, como também pedidos para internação em SPA de pessoas que estão acima do peso, e se recusam a se submeter à uma cirurgia para redução de peso.

Desde o século passado, verificou-se um aumento expressivo no número de ações judiciais envolvendo questões de saúde e, o último relatório sobre a judicialização da saúde, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março do ano corrente, confirmou essa tendência, indicando um aumento de aproximadamente 130% nesse tipo de ação entre 2007 e 2018. Em números, esse fenômeno representou um incremento nas despesas da União de R$ 23 milhões em 2007 para R$ 1,1 bilhão em 2018 o que representa um aumento aproximado de 4.600%.

Recentemente, o governador Reinaldo Azambuja, em encontro promovido pelo STF com mais 11 gestores de saúde, informou que somente em 2018 a judicialização da saúde custou ao Estado o valor de R$ 64 milhões.

Sensível a todos os problemas que a judicialização da saúde vem causando, o STF julgou há poucos dias o Recurso Extraordinário (RE) nº 657718, que reconheceu que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais, como por exemplo, no caso de demora injustificada da Anvisa em apreciar o pedido de registro desses medicamentos.

Uma estimativa da Advocacia Geral da União (AGU) indica que ações dessa natureza tendem a diminuir cerca de 60% após a decisão do STF, que também reafirmou, na mesma oportunidade, por maioria de votos, a responsabilidade solidária dos três entes federativos, União, Estado e Município, para o atendimento das demandas da população na área da Saúde, no julgamento do Embargos de Declaração em RE nº 855178.

Enquanto várias medidas estão sendo tomadas pelo Poder Público com o objetivo de minimizar o impacto que a judicialização da saúde tem provocado nos cofres públicos e no setor de administração da saúde, questiona-se: “uma vida tem preço”?

Pois foi justamente esse o questionamento realizado por Associações de pacientes que se mobilizaram para acompanhar o debate no STF sobre a judicialização da saúde. Mais de 500 mil assinaturas foram entregues a então Presidente do STF, a ministra Carmen Lucia, com a campanha online #STFMinhaVidaNãoTemPreço. “Se o STF determinar que os governos não são responsáveis em fornecer remédios de alto custo, como fica o direito à saúde destas pessoas?”, dizia a campanha.

É importante esclarecer que todas as vezes que uma liminar para fornecimento de medicamentos, por exemplo, é deferida e precisa ser cumprida, o custo será suportado pelo Poder Público, que comprará o referido medicamento, sem a necessária realização de licitação, utilizando os recursos do orçamento para atendimento de um único caso. Ou seja, a previsão orçamentária de um pequeno município para a área da saúde, poderá ficar toda comprometida com a compra, sem licitação, de um único medicamento, como por exemplo, o SPINRAZA no valor aproximado de R$ 1.188.611,00, conforme já citado.

A questão de fato é muito complexa, na medida em que, de um lado temos os limites orçamentários que impõe aos Juízes o dever de considerar os interesses coletivos ao negar o pedido de um medicamento que poderá salvar uma vida, de outro tem-se talvez o mais importante dos princípios que regem a sociedade moderna, a dignidade da pessoa humana.

Deste modo, cabe ao Judiciário garantir ao cidadão que nele se socorre o tratamento digno que deveria ser obrigação do Estado, não só como forma de garantir o ideário de justiça social consagrado na Constituição Federal, mas sobretudo em razão da dignidade da pessoa humana, garantindo àquele indivíduo, o necessário para que continue sua luta pela vida.

(¹) Thiago Noronha Benito é advogado no escritório MH Flores Advogados Associados, Pós-graduado em Processo Civil e Direito Civil: parte geral e obrigações, Pós graduando em Direito Médico, membro da Comissão de Direito Médico, Sanitário e da Defesa da Saúde da OAB/MS.

A judicialização da saúde e o direito à vida

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