Um estudo inédito conduzido por um doutorando do Observatório Nacional (ON/MCTI) está unindo geofísica e medicina para investigar como partículas microscópicas de ferro, liberadas pela poluição do ar, podem chegar ao cérebro humano e estar associadas ao desenvolvimento de doenças neurodegenerativas. Em parceria com a USP e a Harvard Medical School, a pesquisa analisa amostras de ar e de tecido cerebral, buscando entender a origem e os impactos dessas partículas na saúde humana.
O estudo é liderado pelo doutorando em Geofísica no Observatório Nacional (ON/MCTI), MSc. Nicolas Rodrigues Hispagnol, sob a orientação do professor Dr. Daniel Ribeiro Franco e com coorientação das profs. Dra. Carolina Zilli Vieira (Harvard Medical School), Dra. Andrea Ustra (IAG-USP) e Dra. Carolina Leandro (ON/MCTI).
O projeto de doutorado de Nicolas, intitulado “Análise Comparativa das Propriedades Magnéticas e Estruturais de Partículas Portadoras de Fe de Proveniência Atmosférica e de Tecidos Encefálicos Humanos“, tem como objetivo caracterizar partículas magnéticas contendo ferro (Fe) coletados a partir de filtros para materiais particulados de origem atmosférica e presentes no encéfalo humano (porção do sistema nervoso central que está inserida no interior da caixa craniana). Os materiais de estudo são coletados na região metropolitana de São Paulo, área que compreende cerca de 11 milhões de habitantes e conhecida por seus altos níveis de poluição atmosférica.
As amostras encefálicas serão fornecidas pelo Banco de Cérebros da Universidade de São Paulo (USP), enquanto os aerossóis vêm sendo coletados por estações específicas na mesma região.
O estudante busca, através de assinaturas magnéticas, identificar a origem destas partículas (endógenas/exógenas) e características como tamanho e abundância, tanto na poluição, como no cérebro humano. Será possível explorar hipóteses sobre a relação destas partículas de ferro e doenças neurodegenerativas.
A pesquisa de Nicolas se alinha diretamente com o painel para monitoramento da poluição atmosférica (Painel Vigiar: Poluição Atmosférica e Saúde Humana) lançado pelo Ministério da Saúde, destacando a importância de estudos interdisciplinares no combate à poluição e na proteção da saúde pública.
A pesquisa de Nicolas já conta com alguns resultados preliminares. Até o momento, já foram analisados 93 filtros coletados entre 2022 e 2023, contendo material particulado fino – aquele com diâmetro aerodinâmico menor que 2,5 micrômetros, o chamado MP2,5. Esses filtros foram coletados em duas estações de monitoramento atmosférico em São Paulo: uma situada na Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP) e outra na Faculdade de Medicina (FMUSP), ambas da Universidade de São Paulo.
“Com base nessas amostras, conseguimos investigar como fatores climáticos sazonais, características locais e fontes de poluição de origem humana interagem e influenciam a composição do material particulado”, destacou Nicolas.
Na imagem abaixo, observa-se a estação de monitoramento atmosférico da FSP-USP, aberta para a coleta do filtro.
Segundo Nicolas, os resultados mostraram diferenças marcantes entre os dois locais de coleta, e confirmam que a maior parte das partículas ferromagnéticas presentes no ar de São Paulo tem origem antropogênica (atividade humana) – principalmente do tráfego de veículos. Durante o período seco, essas partículas tendem a se acumular devido à escassez de chuva e à menor dispersão atmosférica.
A imagem abaixo ilustra a preparação de filtros recortados, utilizados nas caracterizações magnéticas, e o instrumento Kappabridge MFK2-FA (AGICO, República Tcheca), empregado na medição das susceptibilidades magnéticas desses filtros.
Já na estação chuvosa, notou-se uma redução significativa nas concentrações, o que está relacionado ao processo conhecido como “lavagem atmosférica” – ou seja, a remoção das partículas suspensas pela chuva. No entanto, é importante destacar que partículas muito pequenas, com tamanho 1.000 vezes menor que o diâmetro de um fio de cabelo, podem continuar no ar mesmo após episódios de chuva.
“Além disso, observamos um padrão sazonal bem definido: nas épocas secas, os níveis de partículas ferromagnéticas aumentam bastante, enquanto nas épocas de chuva eles caem significativamente. Isso reforça a importância do clima na dinâmica dessas partículas na atmosfera”, complementou Nicolas.
Nicolas também comparou os dados obtidos em São Paulo com estudos realizados sobre materiais coletados em megacidades asiáticas como Mumbai e Delhi (Índia), por exemplo – onde as emissões industriais e a queima de biomassa são predominantes – e observou um contraste interessante.
Em São Paulo, o perfil das partículas portadoras de ferro é diferente: elas vêm, principalmente, da queima de combustíveis e do desgaste de freios e pneus. Já em Pequim (China), as tempestades sazonais de poeira trazem minerais de alta coercividade para o ar. No Brasil, onde há um clima tropical, a chuva acaba atuando como um mecanismo natural de limpeza da atmosfera, removendo muitas dessas partículas.
Na imagem abaixo estão imagens obtidas por Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV) a partir dos filtros da FSP-USP. Nelas, pode-se visualizar diretamente os óxidos de ferro, que são o foco principal do estudo.
Conforme destacou Nicolas, os resultados deste estudo têm um potencial significativo para contribuir para a saúde humana ao aprofundar a compreensão sobre a presença e o impacto da magnetita em tecidos cerebrais.
Desde a década de 1990, a magnetita tem sido associada tanto a poluentes ambientais (origem exógena) quanto a processos naturais de biomineralização (origem endógena). Evidências recentes sugerem que óxidos de ferro no cérebro humano podem estar relacionados a distúrbios neurodegenerativos (exemplos: Parkinson e Alzheimer), além de efeitos neurotóxicos.
Para o doutorando, é crucial distinguir as partículas de magnetita produzidas naturalmente pelo corpo daquelas provenientes do ambiente para entender suas origens e seus impactos na saúde.
“Esta diferenciação pode ajudar a identificar a proveniência dos materiais particulados portadores de ferro por tipo de atividade humana, de maneira a melhor compreender a ação e impacto destas partículas em diferentes áreas do encéfalo humano. A mineralogia magnética se destaca ao fornecer informações detalhadas sobre a composição, concentração, morfologia e tamanho dessas partículas”, informou Nicolas.
Portanto, esse estudo oferece novas perspectivas para elucidar a evolução das atividades antropogênicas e o impacto das partículas magnéticas em diferentes áreas do encéfalo humano. Afinal, proporciona novos subsídios para a compreensão da evolução das atividades antropogênicas, impactos sobre a saúde humana e suas correlações com o meio ambiente.
Conforme destacou o orientador do doutorando, o pesquisador em Geofísica do ON, Dr. Daniel Ribeiro Franco, o projeto de doutorado de Nicolas evidencia de forma notável a interdisciplinaridade da pesquisa científica.
“Ao integrar princípios e métodos da Geofísica com temas de saúde humana e impacto ambiental, o estudo destaca como a caracterização de partículas magnéticas contendo ferro pode fornecer informações cruciais para áreas como a toxicologia ambiental e saúde pública. Este projeto é um exemplo claro de como a Geofísica pode ser aplicada em áreas não habituais, reforçando sua importância como uma ciência integradora e indispensável para enfrentar os desafios científicos e sociais contemporâneos”, ressaltou.
Ainda segundo Daniel, essa abordagem interdisciplinar não apenas amplia a compreensão sobre os efeitos de partículas magnéticas no organismo humano, mas também oferece ferramentas geofísicas avançadas para identificar possíveis correlações entre a exposição a materiais particulados de origem atmosférica e doenças neurodegenerativas.
Daniel também enfatizou que este projeto conta com a parceria de dois institutos da USP e da Universidade Harvard (EUA), o que reforça a relevância e a credibilidade científica do estudo ao integrar expertises nacionais e internacionais de excelência.
“O Observatório Nacional, como instituição de referência na geofísica, desempenha um papel central no avanço desse tipo de pesquisa ao disponibilizar infraestrutura laboratorial e expertise técnica de ponta. Além disso, o ON reafirma sua relevância ao fomentar estudos que ultrapassam as fronteiras da geofísica tradicional, colaborando diretamente para soluções de problemas complexos que envolvem saúde e meio ambiente”, concluiu Daniel.
Para a Dra. Carolina L Zilli Vieira, que conduz há 10 anos estudos dos efeitos dos ciclos solares, radiação galáctica cósmica, atividade geomagnética entre outros fatores de riscos ambientais na saúde humana na Harvard T H Chan school of Public Health nos EUA, o estudo do Nicolas vai abrir uma nova área para compreender como óxidos de ferro como a magnetita estão associados com o desenvolvimento de doenças neurológicas e como esses metais podem agravar os efeitos das alterações geomagnéticas no corpo humano.
Dra Zilli Vieira planeja levar a tecnologia do Observatório Nacional e do IAG-USP na detecção de magnetita em filtros de poluição atmosférica e em tecidos humanos para a Harvard.
“Nicolas é um aluno brilhante e super dedicado. Estamos muito felizes com o empenho dele. Os resultados da sua pesquisa são muito bem detalhados e impressionantes. Muitos frutos virão dessa parceria.”
Já a Dra. Carolina Leandro (ON/MCTI) destacou que o estudo envolvendo geofísica, sáude humana e poluição ambiental amplia a visão sobre o papel da ciência na sociedade:
“É extremamente gratificante perceber que o conhecimento geofísico pode ser aplicado de forma tão concreta e relevante para compreender e mitigar os impactos na saúde pública. Isso amplia a visão sobre o papel da ciência e reforça a motivação para o desenvolvimento de pesquisas que, além de rigor técnico, carregam um forte compromisso social.”