Abin alerta para a formação de corredor criminoso que transforma a Amazônia em passagem estratégica para cocaína e armas
Um relatório classificado da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), elaborado em janeiro de 2018, descreve a formação de uma rede transnacional de narcotráfico que conecta dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupos armados venezuelanos e facções brasileiras, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV).
Segundo o documento, o Brasil passou a ocupar papel central nas rotas do crime sul-americano, com a Amazônia transformada em um corredor de drogas e armas que atravessa fronteiras fluviais e terrestres.
Mais de sete anos depois, o alerta permanece atual. Dados de 2025 indicam o crescimento do tráfico na região: entre janeiro e abril, o Pará apreendeu mais de seis toneladas de entorpecentes, um aumento de 18% em relação ao mesmo período de 2024, segundo a Segup (Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social).
Uma investigação regional apontou ainda que 72% dos municípios fronteiriços da bacia amazônica abrigam células de organizações criminosas ligadas ao narcotráfico. Para conter o avanço, Brasil e Colômbia inauguraram em setembro, em Manaus, um centro conjunto de cooperação policial.
Dissidências das Farc e influência estrangeira
O relatório atribui o fortalecimento das redes criminosas à fragmentação do crime colombiano após o Acordo de Paz com as Farc. Parte dos ex-integrantes recusou a desmobilização e manteve o controle sobre áreas de produção e transporte de cocaína.
“Há evidências de continuidade de participação de integrantes das Farc com o narcotráfico e a mineração ilegal”, afirma o texto.
Esses grupos, agora reorganizados em facções como o Clã do Golfo e o Exército de Libertação Nacional (ELN), expandiram suas atividades em direção à Venezuela, aproveitando a crise política e econômica do país vizinho e a fragilidade do controle estatal.
Rios amazônicos viram corredores do tráfico
A Abin destaca o uso crescente dos rios da Amazônia, especialmente a rota do Solimões, como principal via de entrada de drogas no Brasil. Entre 2016 e 2017, o Amazonas registrou apreensões recordes de cocaína, reflexo da reorganização das redes colombianas e do aumento da produção nos Andes.
Além de abastecer o mercado interno, a droga que entra pelo Norte do Brasil segue para a África e a Europa, consolidando o país como rota internacional do tráfico.
O Acre é citado como ponto de intersecção entre os fluxos vindos da Colômbia e da Venezuela e os que partem do Centro-Oeste e do Sudeste. O estado é considerado estratégico para o transporte de drogas e armas e para a ligação entre grupos estrangeiros e facções nacionais.
PCC e CV dominam a distribuição
Dentro do território brasileiro, a distribuição regional e internacional é controlada por facções nacionais. Segundo a Abin, PCC e CV cooperam com fornecedores colombianos e intermediários venezuelanos, consolidando o Brasil como elo logístico do crime internacional.
“O grupo já atua nos territórios paraguaio e boliviano com esquemas de obtenção de drogas e armas e em redes de lavagem de dinheiro”, aponta o relatório.
Após uma megaoperação no Rio de Janeiro, o Paraguai reforçou a segurança na fronteira com o Brasil, numa tentativa de conter o avanço das facções.
O documento ressalta que, enquanto o Arco Norte sofre influência estrangeira (Colômbia e Venezuela), o Arco Centro-Sul — fronteira com Bolívia e Paraguai — é dominado por iniciativas internas de expansão. Essa combinação transformou a Amazônia em um corredor duplo de tráfico, conectando os Andes ao Atlântico.
Fronteiras vulneráveis e cooptação
Com 17 mil quilômetros de fronteiras e 600 municípios, o Brasil enfrenta baixa presença estatal nessas áreas. A Abin alerta que a porosidade das fronteiras, somada à cooptação de agentes públicos, facilita o avanço do crime transnacional.
As redes, segundo o órgão, operam de forma fragmentada e descentralizada, o que dificulta a identificação de lideranças e o rompimento das conexões internacionais.
Risco à segurança regional
O relatório conclui que a interação entre forças externas e internas ameaça a estabilidade institucional. A pressão do narcotráfico no Norte alimenta a entrada de drogas e armas no país, enquanto a expansão das facções no Centro-Sul dissemina o crime em direção ao interior.
“Monitorar e analisar correlações de forças na faixa de fronteira é importante ferramenta de antecipação de novos papéis a serem assumidos pelos pontos de conexão operados pelas redes criminosas”, adverte a Abin.
Diante desse cenário, o governo federal tem reforçado medidas de combate. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou recentemente a lei aprovada pelo Congresso para endurecer o enfrentamento ao crime organizado, ampliando instrumentos de cooperação entre Inteligência e Segurança Pública.
A disputa pelo controle das rotas da Amazônia, no entanto, mostra que a guerra pelo território do narcotráfico está longe de chegar ao fim.


