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Medo, carinho e futebol: a vida de um brasileiro no Iraque

19/01/2015 11h30

Medo, carinho e futebol: a vida de um brasileiro no Iraque

Terra

Bagdá, Iraque, 17 de outubro de 2014. No quinto andar de um hotel a 12 km do centro da cidade, um grupo de estrangeiros da comissão técnica do time local Al Shorta, que inclui três brasileiros, conta piadas. Marquinhos Domingues, preparador de goleiros nacional, decide dar um fim à animada noite e desce ao seu quarto, no terceiro andar. Pouco após fechar a porta de seus aposentos, um grande estouro repentino abala as estruturas do hotel. A 30 metros de onde estava, um carro-bomba acabava de explodir matando 30 pessoas.

A saga de Domingues no temido país do Oriente Médio havia começado há pouco mais de um ano. Então no Marília, conquistou o acesso para a Série A2 do Campeonato Paulista em 2013, mas logo depois André Costa, um empresário de São Paulo, fez uma proposta com valores astronômicos. O destino, entretanto, era temeroso: o Iraque. O susto foi grande, tanto com o dinheiro envolvido quanto pelo país mencionado. Mas o preparador de goleiros decidiu dizer sim à aventura.

“Fiquei bem assustado (quando soube da possível ida para o Iraque), mas depois vi as proporções de valores que falaram que eu ia ter. Aí aceitei o desafio de ir. Conversei com a família que tinha o projeto de ir para Bagdá. No inicio relutaram, falaram para não ir porque era perigoso, mas no fim aceitaram. Os valores são lá em cima, salário de primeira divisão do Brasileiro. O Al Shorta é o maior time que tem no Iraque, com mais jogadores na seleção, são oito na seleção, incluindo um goleiro que foi convocado”, contou ao Terra Marquinhos Domingues.

O preparador de goleiros chamou a atenção do Iraque com trabalhos em times do interior do Brasil. Começou a carreira na Inter de Limeira, onde ficou entre 2002 e 2006. Passou pelo vizinho limeirense União São João por três anos e na sequência teve a primeira oportunidade internacional: ficou oito meses na Coreia do Sul, no Gyeongnam FC. Ainda fez duas excursões com o Granada Eventos, time de Zico, para Alemanha e Dubai, passou pelo Rio Claro-SP em 2011 e Central-PE no ano seguinte até ir ao Marília.

Bomba que matou dezenas foi momento emblemático

De todos os lugares por onde passou, o Iraque é absolutamente o mais distinto. O medo de Domingues é constante. Uma porta bate com mais força, e Marquinhos já pensa que uma bomba explodiu ao seu lado. A rotina é simples para evitar uma tragédia: do hotel para o centro de treinamento e do centro de treinamento para o hotel. Aglomerações são evitadas ao máximo e saídas para jantar são feitas apenas uma vez por semana, quando está tranquilo.

Todos os cuidados transmitidos pelo Al Shorta, que ainda por cima é o clube da polícia, não evitaram a proximidade com a tragédia de 16 de outubro de 2014. Ao ouvir a explosão, Marquinhos pensou que um gerador havia estourado. Quando chegou ao saguão do hotel, com vários outros hóspedes desesperados, tomou noção da gravidade da situação: um carro-bomba havia explodido em uma aglomeração na esquina, onde um carrinho vendia kebabs.

“Desci no saguão e vi todo mundo falando de bomba, bomba, e estragos na rua. Foi a 30 metros do hotel, derrubou todo o vidro do saguão. Logo que estourou a bomba, nós descemos para o saguão e na sequência levaram-nos para um esconderijo debaixo do subsolo e ficamos lá até a polícia liberar. Se não me engano, morreram 30 pessoas (mais de 40 incluindo outras explosões ocorridas no dia). O presidente foi no hotel no dia seguinte, viu a situação e nos trocou de hotel”, relatou Domingues.

A situação criou um drama a mais para o preparador de goleiro. Outros brasileiros que trabalham no clube – Anderson Nicolau, preparador físico, Tonello, fisioterapeuta, e Caion, ex-atacante da Portuguesa – pensaram em voltar ao País, mas Marquinhos convenceu-lhes a ficar pelos valores envolvidos – não antes sem sofrer pressão de familiares, a quem escondeu por um tempo sobre a bomba. Agora todos os brasileiros vivem em um hotel bem no centro de Bagdá, região conhecida como Karahda. Mas o medo aumentou.

“Todo o momento (sente medo). Se você pega um trânsito na rua e para, você já pensa ‘puts, esse carro do lado vai estourar’. Você fica com um medo constante. A gente evita. Não pego táxi nem matando. Pode ser que o cara tenha um táxi e é de grupo de extermínio, ninguém sabe como funciona. Se tiver que ir em algum lugar, o motorista do clube leva a gente. O risco é constante de bomba em lugar que aglomera. Eu fico com medo, bate uma porta e eu já assusto”, expôs Domingues.

Carinho de iraquianos aumenta “segurança” em meio a temores

Após a retirada das tropas dos Estados Unidos em 2011, o Iraque passou a contar com a segurança apenas nacional. Há uma equipe da Swat, além de polícias especiais, militar e civil. O que faz Domingues encher a boca para dizer que sente-se “muito seguro” no país é, contudo, o carinho que os habitantes têm pelos brasileiros que lá estão. A vida comum em meio aos medos – no dia seguinte ao atentado ao lado de seu hotel, a rua estava lotada novamente – também é algo que surpreende o estrangeiro.

Foto: Marquinhos Domingues / Divulgação

Marquinhos Domingues trabalha há quase um ano e meio no Iraque
Foto: Marquinhos Domingues / Divulgação

(Foto: Marquinhos Rodrigues/Arquivo Pessoal)

Marquinhos Domingues conta com o apoio de outros brasileiros da comissão técnica longe de casa
Foto: Facebook / Reprodução

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