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sábado, 5 de julho, 2025
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Após impasse sobre IOF, governo e Congresso entram em rota de colisão

A tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário aumentou nos últimos dias após a edição e posterior derrubada de um decreto presidencial que elevava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). A crise, que já vinha se desenhando nos bastidores, ganhou contornos públicos e institucionais, levando o governo federal a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de reverter a decisão do Congresso Nacional.

O decreto, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no fim de maio, previa aumento do IOF sobre operações de crédito, câmbio e seguros. A proposta fazia parte das medidas econômicas do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e cumprir metas do novo arcabouço fiscal. No entanto, foi reprovada de forma contundente pelos parlamentares: a Câmara aprovou a derrubada do texto por 383 votos.

A reação do Executivo foi imediata. A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com uma ação no STF alegando que o Congresso ultrapassou suas prerrogativas ao anular um decreto infralegal do presidente da República. O governo, no entanto, nega que a judicialização represente um ataque ao Parlamento. “O objetivo não é confrontar, mas defender a legalidade do ato presidencial”, disse a AGU.

A situação expôs, mais uma vez, a fragilidade na articulação política do governo com o Legislativo — inclusive com partidos da base aliada, que também votaram contra o aumento do imposto. “A base já era frágil e se mostrou ainda mais desarticulada nesse episódio”, avalia o especialista em Direito Público André Nogueira.

Para a consultora tributária Gabriela Rosa, a judicialização amplia ainda mais o clima de confronto. “O governo entende que houve usurpação de competências por parte do Congresso. Isso torna o episódio o primeiro grande conflito direto entre o Executivo e o presidente da Câmara”, explica. Ela alerta ainda que, caso o STF acolha o pedido do governo e anule o decreto legislativo, o Congresso poderá sair enfraquecido institucionalmente. “A figura do decreto legislativo é uma das poucas ferramentas que o Legislativo tem para controlar atos do Executivo no plano infralegal.”

A crise política se desenrola enquanto o governo precisa aprovar pautas prioritárias no Congresso, como o PL 1087/2025, que altera o Imposto de Renda, e a CPMI do INSS. Analistas temem que o episódio afete o andamento dessas propostas.

Tentativas de apaziguamento surgem em paralelo ao impasse. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou que a ação no STF não inviabiliza o diálogo entre os Poderes. “A Constituição é clara ao definir o papel de cada um. Defender a legalidade do decreto não exclui a necessidade de diálogo com o Congresso”, disse.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também tentou minimizar a crise e disse manter boa relação com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), a quem chamou de “amigo do ministério”. No entanto, Haddad revelou que espera há dias um contato de Motta para tratar do assunto. Motta, por sua vez, publicou um vídeo nas redes sociais afirmando que o governo foi alertado previamente sobre a resistência à medida. “Quem vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice”, declarou.

Além da oposição, que intensificou críticas ao governo, um grupo com 17 frentes parlamentares emitiu nota oficial acusando o Executivo de ferir a harmonia entre os Poderes. “Recorrer ao STF após a rejeição de um aumento de imposto é atentar contra a soberania do Parlamento”, afirmou o senador Jorge Seif (PL-SC).

A última vez que o Congresso derrubou um decreto presidencial foi em 1992, no governo de Fernando Collor. O episódio atual, portanto, marca um dos momentos mais delicados na relação entre os Três Poderes nos últimos anos — e pode deixar sequelas duradouras na governabilidade.

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