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sexta-feira, 26 de abril, 2024
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Prêmio CAPES de Tese premia trabalho de Geografia da UFGD

Estudo sobre as redes de migração haitiana em Mato Grosso do Sul foi considerado o melhor trabalho defendido na área de Geografia no ano de 2020 no Brasil

A tese “Redes da migração haitiana no Mato Grosso do Sul” foi escolhida pelo Prêmio CAPES de Tese 2021 como o melhor trabalho do Brasil em Geografia no ano de 2020. Defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGG) da Faculdade de Ciências Humanas (FCH) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a tese tem como autor Alex Dias de Jesus e foi orientada pelo professor Jones Dari Goettert.

O trabalho, resultado de pesquisa desenvolvida entre 2017 e 2020, analisa a presença de haitianas e haitianos em Mato Grosso do Sul (MS), com ênfase nos municípios de Dourados, Três Lagoas, Campo Grande e Corumbá. Articulando um denso conjunto de referências, mas, também, com intenso trabalho de campo tanto em MS quanto em rotas de migração na América Latina – em especial junto ao extremo norte do México, em diálogos com haitianas e haitianos que, com passagem pelo Brasil, buscavam ingressar no Estados Unidos –, a tese “ziguezagueia” redes migratórias “locais” com o espaço transnacional.

Sobretudo, mais que a construção de uma análise distanciada e “neutra”, a tese busca embrenhar-se junto aos espaços de haitianas e haitianos no estado, destacando a inserção no trabalho e as condições de existência das/dos imigrantes. Desse modo, a análise teórico-analítica é compartilhada com uma cartografia densa, falas intensas com gentes da imigração e uma iconografia igualmente profunda e sensível.

“A tese, ademais, é parte dos esforços conjuntos de todo o PPGG (discentes, docentes e técnica administrativa), buscando compreender as complexidades socioespaciais que atravessam tanto o sul do MS quanto suas interações transescalares”, afirma o coordenador do PPGG, professor Charlei Aparecido da Silva.

Ele contrapõe que, por outro lado, o reconhecimento trazido pelo Prêmio é também resultado de uma resistência frente às dificuldades enfrentadas atualmente pelos programas de pós-graduação no Brasil. “Nesse sentido, esse acontecimento serve também de motivação para fazer avançar ainda mais o conhecimento profundo e crítico das geografias que atravessam todas e todos”, diz.

“Nesse momento histórico em que reconhecidamente se evidencia um ataque ao papel da ciência para o desenvolvimento do País; uma diminuição drástica nos investimentos em Ciência & Tecnologia; ataques às Ciências Humanas; a perda de conquistas consolidadas após décadas de reivindicações e lutas e uma tentativa clara do apagamento daqueles que já estão na invisibilidade, o prêmio se estabelece, tem um significado, ainda maior”, destaca o coordenador.

Prêmio CAPES
Registro feito por Alex durante a pesquisa


 A TEMÁTICA

Natural na Bahia, mas radicado no Piauí, onde leciona no Instituto Federal do Piauí (IFPI), Alex conta que o interesse em pesquisar a migração haitiana no Brasil surgiu desde o início do fenômeno. “Era algo muito recente, que começou em 2010. A academia só começou a fazer registros do fenômeno em 2011 e a primeira tese foi defendida apenas em 2015. E eu queria pesquisar esse fluxo que estava em desenvolvimento”, explica.

A pesquisa, portanto, seria algo completamente novo e sem base em arquivos, pois focaria nos relatos das próprias pessoas que fizeram os percursos migratórios. “De início, eu não sabia da presença de haitianos em Dourados, Três Lagoas, Nova Andradina e Campo Grande e a pesquisa seria feita na região Sul do País. Mas meu orientador, professor Jones, considerou uma logística um tanto complicada, já que vivo no Piauí e teria que viajar ao Sul”, relata Alex.

Assim, o docente passou a visitar cidades sul-mato-grossenses onde havia registro de mais de 100 haitianas e haitianos. “Comecei a ir às escolas, a cultos em igrejas evangélicas, a jogos de futebol, a festas de casamento, enfim, percorri o estado e fui avaliando essa migração”, destaca.

Em 2016, no entanto, um outro fenômeno migratório passou a acontecer entre a comunidade haitiana no Brasil por conta da desaceleração da economia brasileira: com poucas vagas ofertadas pelos setores de grande empregabilidade de mão de obra imigrante, como a construção civil, essa população passou a migrar do Brasil e não para o Brasil.

“Muitos saíram do Brasil e tentaram ingressar nos Estados Unidos, mas acabaram barrados pelas políticas migratórias mais restritivas de lá. Dessa forma, permaneceram na fronteira entre México e Estado Unidos”, conta Alex que, por meio do doutorado sanduíche, pôde se deslocar até o México e continuar a pesquisa em campo. “Encontrei com muitos migrantes que tinham vivido em municípios brasileiros”, diz.

Prêmio CAPES

Registro feito na fronteira do México com os Estados Unidos
 Para ele, o reconhecimento de uma pesquisa feita com sujeitos migrantes, que buscam com todas as forças melhores condições de vida, é uma honra. “É um reconhecimento de uma pesquisa feita com múltiplas fontes, em múltiplas escalas, com muito trabalho envolvido”, conclui.

Na mesma linha, o coordenador do PPGG destaca que a tese torna visível o invisível e dá voz aos mais vulneráveis, tornando o lugar conhecido, conectando lugares e relações humanas. “O prêmio é sobretudo de seus protagonistas, mulheres e homens haitianos que de forma violenta são expurgados de seus lugares, forçados a construírem longe daquilo que reconhecem outras relações e histórias, isso nos afazeres da sobrevivência do mundo conectado e paradoxalmente excludente”, assevera Charlei.

Orientador de Alex durante essa jornada em busca do doutorado, o professor Jones Dari Goettert ressalta que o prêmio é, também, um reconhecimento das pesquisas desenvolvidas na área, que sempre têm buscado um intenso diálogo com as demais áreas das Ciências Humanas.

“Portanto, é também uma premiação para as áreas do que chamamos de Humanidades. Especificamente, em relação à Geografia, o tema migrações (tanto internas, no Brasil, quanto externas, de fora para dentro e de dentro para fora do País) necessariamente dialoga com Trabalho e Empregabilidade, com Línguas e Culturas, com Relações Internacionais e Direito, mas, ainda, com a nossa relação, enquanto brasileiras e brasileiros, com gentes desterritorializadas interna e externamente, perpassando nossas frágeis relações de solidariedade, de um lado, e de violência e racismo, de outro”, avalia o docente.

PRÊMIO CAPES DE TESE

Em sua 16ª edição, o Prêmio CAPES de Tese recebeu 1.376 trabalhos de conclusão de doutorado, defendidos no Brasil no ano passado. Os autores selecionados receberão bolsa de até um ano para estágio pós-doutoral em instituição nacional, certificado e medalha.

Seus orientadores ganharão um prêmio para participação em evento acadêmico-científico nacional, no valor de até R$ 3 mil, além de certificado que também será oferecido aos coorientadores e ao Programa de Pós-graduação no qual a tese foi defendida.

Todo o processo seletivo das teses considera a originalidade, a relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social do País, a qualidade e quantidade de publicações decorrentes da tese, sua metodologia, redação, estrutura e organização do texto.

A iniciativa tem a parceria da Fundação Carlos Chagas, da Comissão Fulbright e da Dimensions Sciences.

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