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sexta-feira, 17 de maio, 2024
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Relatório sobre ações penais de feminicidio traça perfil dos crimes cometidos em MS

Campo Grande lidera as ações penais de feminicidio que ingressaram na Justiça de Mato Grosso do Sul durante 2021. De acordo com os dados do 3ª Relatório do Poder Judiciário sobre Feminicídio, divulgado na quarta-feira (1º), foram 15 feitos na comarca local no período. Ao todo, foram 89 ações penais registradas pelo Tribunal de Justiça (TJMS) no ano passado em 33 comarcas.

No ranking das comarcas que registraram mais ações penais de feminicidio no período citado estão, ainda, Dourados, com 11 feitos; Três Lagoas, com 10; Corumbá, seis; Mundo Novo, cinco; Ponta Porã, quatro. Bandeirantes, Cassilândia, Jardim e Sonora receberam três ações cada. Em Água Clara, Chapadão do Sul, Costa Rica, Iguatemi e Nova Alvorada do Sul foram distribuídas duas ações penais em cada uma das comarcas.

Já as comarcas de Aquidauana, Bataguassu, Batayporã, Bela Vista, Bonito, Camapuã, Coronel Sapucaia, Coxim, Maracaju, Naviraí, Nioaque, Nova Andradina, Paranaíba, Porto Murtinho, Ribas do Rio Pardo, Rio Verde de Mato Grosso, São Gabriel do Oeste e Sete Quedas registraram apenas uma ação penal, cada.

O levantamento considerou processos que ingressaram na Justiça em 2021, mas não necessariamente se referem a crimes cometidos naquele ano. Os feitos tratam de fatos ocorridos desde 2017 até o final do ano passado. De acordo com o relatório, 61 das 89 ações referem-se a crimes cometidos em 2021, ou seja, 68% dos casos. As demais objetivam investigar fatos ocorridos em 2020 (23,6%); em 2019 (6,7%); e em 2017 (1%).

“Por que fazemos esse levantamento? Para que se tenha uma noção da realidade em todas as comarcas e possamos sugerir políticas públicas efetivas em favor das mulheres. A Coordenadoria da Mulher do TJMS tem 16 projetos executados na Capital e no interior. São propostas muitos legais que estão auxiliando mulheres vítimas de todo tipo de violência”, esclareceu a juíza Helena Alice Machado Coelho, que responde pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar.

De acordo com ela, as informações constantes no relatório referem-se a fatos consumados e tentados. Desta forma, dos casos analisados três envolvem duplos feminicídios, isto é, o réu matou ou tentou matar duas mulheres. Em uma das ações investiga-se dupla tentativa de feminicídio; na outra, duplo feminicídio consumado, e na terceira um feminicídio tentado e outro consumado. O documento aponta ainda que 62 mulheres foram vítimas de feminicídio tentado e 30 de feminicídio consumado.

O relatório foi lançado durante o Seminário Estadual de Combate ao Feminicídio pela juíza Helena Alice Machado Coelho, que responde pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar. Na oportunidade, a magistrada lembrou que a edição da Lei nº 13.104/2015, chamada de Lei do Feminicídio e que prevê a qualificadora do feminicídio no art. 121 do Código Penal, tornou a captação de dados sobre a morte violenta de mulheres em razão do gênero mais fácil e eficiente, porém, evidenciando ainda mais a existência desse tipo de crime na sociedade de MS.

Helena falou sobre os dados compilados no relatório, explicou como foram selecionados, lembrou a importância de se denunciar a primeira violência sofrida e ressaltou enfaticamente que “medidas protetivas salvam vidas”. “Estou na 1ª Vara da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital, onde realizamos aproximadamente mil audiências por ano. Trabalhamos muito, com a pretensão de cumprir uma meta: evitar que ocorram mais feminicídios, para que chegue um dia em que não será necessário estarmos aqui debatendo o combate ao feminicídio”, disse ela. Você pode acessar o relatório completo clicando aqui.

Relatório sobre ações penais de feminicidio traça perfil dos crimes cometidos em MS
A juíza Helena Alice Machado Coelho lançou a 3ª edição do Relatório do Poder Judiciário sobre Feminicídio durante o Seminário Estadual de Combate ao Feminicídio (Foto: TJMS)

Quem pratica e onde comete os crimes

Os dados do documento disponibilizado pelo TJMS revelam que, em 2021, a taxa de feminicídio na área rural foi maior do que a taxa da população residente na zona rural de MS. “Onde estão essas mulheres?”, questionou a juiza, na apresentação do Relatório.

Também foi objeto de análise o local exato em que os crimes ocorreram. Os dados revelam que em 59% das ações os crimes ocorreram na residência da vítima, no local onde coabitava (ou não) com o agressor; em 25% dos casos o crime foi praticado em locais públicos como bares, rodovias, pontes etc. Outros locais apontados são residências de familiares da vítima, de amigos e do réu.

Segundo o relatório, 95% dos feminicídios são praticados no contexto da violência doméstica e familiar e, na maioria, os criminosos são companheiros (41) e ex-companheiros (30) das vítimas. Entre os autores dos crimes ainda estão ex-namorados (3), namorados (2), filhos (3), irmãos (3), cunhada (1), tio e primos (1).

Fora do contexto doméstico e familiar estão cinco casos, entretanto, em dois não foi possível identificar. Além disso, em três casos também foram vítimas outras mulheres do contexto familiar da vítima principal como irmã, mãe e filha da ex-companheira do réu; e em um caso o crime foi praticado em concurso de pessoas, entre elas, o tio e primos da vítima.

A motivação para o crime

O relatório traz ainda a motivação desses crimes e a motivação está alinhada ao tipo de relacionamento entre a vítima e agressor. Assim, considerando que a maioria dos feminicidas são companheiros e ex-companheiros, percebe-se que o sentimento de propriedade que homens nutrem em relação às companheiras se traduz em ciúmes e inconformismo com o fim do relacionamento como motivadores para a prática do crime em 56% dos casos.

Outra situação que se destaca é a incidência de questões financeiras como desentendimento sobre o pagamento por serviços sexuais prestados, posse sobre cartões bancários e de benefício assistencial, cobrança de dívidas e destruição de bem patrimonial da vítima como desencadeadores do crime, o que pode ser reflexo da insegurança financeira da população em razão da pandemia da Covid-19 em 2020 e 2021.

Armas usadas pelos criminosos

Sobre o objeto ou meio empregado para o crime percebe-se que nos casos de feminicídio estes são variados. No entanto, prevalece a faca e a arma de fogo como principais objetos utilizados.

A taxa de letalidade com armas de fogo chega a 33% e a utilização de faca como objeto do crime resultou na taxa de letalidade de 24%, havendo ainda facão, foice, machado, objeto de madeira, de ferro, fogo, atropelamento, força física, chaira, tesoura, entre outros.

A medida protetiva

O item medida protetiva também faz parte do levantamento, considerando-se que 95% dos feminicídios em MS ocorrem no contexto da violência doméstica e familiar contra a mulher. E o resultado, como nas edições anteriores, demonstra que a maioria das vítimas de feminicídio íntimo (59) nunca haviam solicitado medidas protetivas antes do crime.

Por outro lado, 25 vítimas haviam solicitado medidas de proteção e apenas 13 possuíam as medidas em pleno vigor. Entre as 25 vítimas, oito haviam se reaproximado do agressor. Em três casos a medida havia sido revogada judicialmente a pedido da vítima e, em um caso, a medida não estava em vigor por falta de intimação do agressor.

A idade dos envolvidos

No quesito idade, o relatório mostra que a maior incidência desse tipo de crime ocorre contra mulheres entre 31 e 40 anos e a maior incidência dos réus está na mesma faixa etária. A vítima mais jovem é uma menina de 11 anos, assassinada por um tio, alguns primos e um desconhecido para ocultar o crime de estupro praticado nas mesmas circunstâncias. A mais idosa é uma senhora de 80 anos, morta pelo companheiro de 76 anos em razão de ciúmes.

Entre os acusados, o mais jovem é um adolescente de 13 anos que aparece na ação penal analisada em razão do concurso de agentes, figurando como coautores outros indivíduos maiores de 18 anos. E o autor mais idoso é um senhor de 82 anos que tentou matar a companheira de 53 anos, com uma foice.

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